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Nossa compra de produtos frescos: um desafio

Estamos encaminhando um texto de reflexão de Miriam Langenbach :

Nossa compra de produtos frescos: um desafio

Em recente reunião de avaliação do programa “Campo e Cidade dando as mãos”, começamos a refletir sobre nossa interação com os produtos frescos. Foi importante a presença significativa de integrantes do núcleo de Vila Isabel/Grajaú nesta reunião, que compram há tempos quinzenalmente seus frescos.

A partir de seu feedback, ficou claro que a maioria dos integrantes não se interessa em comprar semanalmente osfrescos, sendo seu maior interesse a aquisição de secos. Este dado acendeu uma luz vermelha em nós.

Percebemos a importância, de lá nos idos de 2002, a partir do I Encontro Nacional de Agroecologia, termos começado a trazer produtos secos da zona da Mata de Minas Gerais, através da Associação dos pequenos produtores de Tombos (Apat). Na época eles produziam um rol de produtos básicos como arroz, feijão, fubá, café, açúcar. Uma bela iniciativa de economia solidária que infelizmente não conseguiu sobreviver.

Ao longo destes últimos 14 anos está ficando cada vez mais claro que são os secos que foram se diversificando na nossa entrega, sendo sempre muito elogiados. Eles tem segurado nossa proposta de um consumo diferente. Não são os frescos. Examinemos:Campo Grande é um núcleo que se formou a partir e dentro de uma feira orgânica; o mesmo aconteceu com o núcleo da Freguesia, que não existe mais como nucleo. Vargem Grande seguiu o mesmo caminho, e também só consome os secos. Itaipava teve e tem uma dificuldade enorme de se abastecer de frescos locais, já que os produtores só se interessam pelas feiras do circuito do Rio de janeiro. E Nova Iguaçu também só se abastece com os secos. Lá estão alguns frescos, uma vez por mês, a partir principalmente de dois agricultores associados da Rede, que trazem em pequena quantidade seus produtos, sem se inserirem na dinâmica de uma lista em que a demanda é levantada. Isto nos faz ver que boa parte dos núcleos da Rede não compra frescos.

É na cidade do Rio de janeiro, mais especificamente na zona sul que os frescos tiveram uma presença mais constante e significativa. Mesmo assim ficou claro que são os secos o desejo da maioria. São raras as famílias que se abastecem inteiramente com os frescos oferecidos.

Percebemos que se não tivéssemos os secos, provavelmente a proposta da Rede não teria sobrevivido. Precisamos então tentar entender melhor o que está acontecendo, e modificar algumas questões.

O ponto mais importante é que os frescos deveriam representar o carro chefe da Rede, porque ali o espírito Campo e Cidade se dando as mãos se torna mais presente. Para estes produtores, que estão próximos a nós, a compra é altamente significativa, representa a possibilidade de continuar ou não nesta atividade.

Um primeiro ponto que fica chamativo: em geral não conseguimos – existem algumas honrosas exceções na Rede – nos abastecer inteiramente de frescos na Rede. Faltam as frutas, excelentes quando vem como o caqui, o kiwi, o pêssego mas rápidos na colheita. As bananas são uma referencia de peso. Mas não conseguimos sua diversificação.

O verão, que leva meses, é um período muito pobre de produtos. E não nos acostumamos ainda a nos alimentar mais significativamente de plantas não convencionais, inclusive inserindo-as nas nossas compras. O Cem tem nos ajudado neste sentido.

Nossa fidelidade a sazonalidade nos restringe. E nós, consumidores, queremos uma diversidade, o que nos leva às feiras orgânicas, e as prateleiras de supermercados, que acabam trazendo produtos de regiões mais distantes, voltando ao esquema tradicional.

O fato de ser aos sábados, num horário restrito também dificulta. Muitos viajam,é um momento de muitos outros compromissos.
Tem pessoas vem de longe, de outros bairros, então é uma vinda difícil, que tem que valer a pena.

Ser agricultor familiar agroecológico é uma tarefa árdua, e estes agricultores estão muito ameaçados: não só pelas oscilações e dificuldades climáticas, assim como com o mundo urbano, com a especulação e violência, que vai cercando estes agricultores, levando à frequentes mudanças, muitas vezes passando a viver nas cidades.
Aí vai ficando mais claro que o processo de compra, e o ir além da compra é que podem fazer a grande diferença, representando um elemento de segurança para os produtores.

No ano de 2017, estamos tendo duas inovações importantes: A partir da vivencia rural percebemos que de fato estamos chegando ao campo, olhando sua realidade, no caso de uma agricultora.. São estes mutirões que estão nos dando a dimensão do que os agricultores vivem se quiserem ser agroecológicos. Isto nos aguçou o olhar de que a compra dos frescos, é uma compra destes agricultores locais, para eles é uma questão crucial, de sobrevivência. As entrevistas realizadas em Campo Alegre e Marapicu, estão reforçando isto também.

Além da vivenciar rural , surge a comissão de culinária, que ao ajudar a pensar o preparo dos alimentos, enfatizar o cozinhar com o que se tem a mão, pode ajudar muito para que certos produtos sejam consumidos.
As oficinas de cozinha despontam como uma modalidade prazerosa de repasse de uma visão inovadora em relação aos alimentos.

Ao longo dos anos, ficou muito claro como tem pessoas na Rede que se procupam com a preparação dos alimentos. Assim como ficou nítido também que tem um grupo de associados que planta, que quer saber mais de produção, que busca se aperfeiçoar nisto. Neste período há canais para desenvolver estas práticas de um modo mais amplo.

Esta nova etapa reforça a necessidade tanto dos novos grupos que se formarem na baixada, quanto dos grupos da própria Rede perceberem com mais clareza a compra de frescos, que é a compra do cotidiano.

Nossa aproximação destas compras de frescos tem que sofrer uma revisão importante, sendo colocada como carro chefe da Rede, ou de um novo grupo.

Estamos comentando isto, porque vai ser importante tentarmos rever nossas práticas, tanto no acompanhamento aos produtores, quanto na própria acolhida.

Algumas idéias que vieram:
Para a questão das frutas, haver um estudo maior dos quintais dos coletivos. As vezes uma, duas árvores carregam e seus produtos apodrecem no chão. É o que temos visto.

Quem sabe uma saída interessante pode ser a Rede apoiar financeiramente jovens que recolham estas frutas e nos encaminhem
Ou se organizar em época de colheita – inspirados no tiracaqui – mutirões de colheita – de mangas, de acerolas, de jabuticabas. Pensando um escoamento e aproveitamento também através de polpas.
E aí entram os equipamentos coletivos, as cozinhas comunitárias, que tantas estão abandonadas.

Com tomates apoiar alguns produtores para este plantio, associando-o a um mínimo processamento, que pode levar a que não se encomende mais processados de tomate do sul do país.

E finalmente, privilegiar-se o acompanhamento a produtores de frescos, sem o qual fica dificil o consumidor perceber melhor o produtor. E consequentemente não entendem o significado do tipo de compra feito. A compra de secos supre nossas necessidades básicas mas não nos aproxima da realidade da produção da agricultura familiar: os produtores estão distantes, dificilmente há um contato próximo com eles, são cooperativas ou associações maiores, as dificuldades da produção dificilmente chegam até nós (exceto quando algum produto não chega). É na compra de frescos que acontece o “campo e cidade se dando as mãos” de maneira efetiva, é quando se estabelecem os laços de solidariedade e de confiança, é quando somos submetidos com maior evidência à sazonalidade, às mudanças do clima, aos problemas da água, às dificuldades de logística/transporte, etc. Por isso iniciar a compra pelos frescos, ou secos junto com frescos, é o ideal: o grupo deve fazer uma “leitura” das possibilidades locais, conhecer melhor seu entorno, estabelecer laços com os produtores e desde esse início conscientizá-los da importância deles serem também consumidores.
Por isso é tão importante se insistir nesse ponto e tentar fortalecer a compra de frescos para a Rede como um todo.