Blog

Contribuição para o melhor reaproveitamento de alimentos

Bibi Cintrão (Santa), sempre nos iluminando com sua visão realista e ecológica de ver os alimentos. O ensejo foi a validade vencida de um de nossos produtos. Segue o texto:

“Concordo com todas as observações e sugestões a respeito das medidas para que os produtos não cheguem com a data de vencimento esgotada, mas queria problematizar a ideia de “jogar fora”, automaticamente, produtos com data vencida.

A “data de vencimento” é uma estimativa, feita para dar uma garantia ao consumidor, na hora da compra, de que o produto com certeza vai estar em ótimas condições de consumo, mesmo que as condições de armazenamento não sejam as melhores.

Isso não quer dizer que o produto vencido = produto impróprio ao consumo = produto que não pode ser consumido.

Essa é uma confusão muito ruim que a mídia estimula e que leva a um enorme desperdício de alimentos.

É uma leitura estreita que se faz do Código do Consumidor, que identifica produtos fora dos padrões legais com produto impróprio ao consumo.

Em alguns países ao invés de “data de validade” é colocado “melhor consumir até”. A data de validade deve ser vista apenas como uma referência para ficarmos mais atentos, na hora de comprar e na hora de escolher, no nosso estoque, o que consumir primeiro. A data de validade deve ser vista apenas como uma referência para ficarmos mais atentos, na hora de comprar e na hora de consumir.

Nós temos todas as condições para identificar se um produto está ou não em condições de consumir porque até menos de 100 anos atrás os produtos não tinham data de validade. Datas de validade vieram junto com a industrialização e são tão mais importantes quanto mais artificiais forem os alimentos, pois os produtos químicos utilizados (a maioria não existente até 100 anos atrás) enganam nossos sentidos. Se um produto natural estiver com cor normal, textura normal, bom cheiro e gosto normal pode consumir. É muito raro nossos sentidos serem enganados. A gente tem na língua uma grande percepção do amargo, por exemplo, que acende um alerta porque a maioria das substâncias venenosas são amargas (incluindo as que se produzem na deterioração). Há centenas de espécies de microorganismos que podem consumir (e “estragar” os alimentos) e pouquíssimos escapam aos nossos sentidos. Apenas alguns patógenos (como a salmonela) e as toxinas dos estafilococos escapam, daí a importância que eles assumiram nos controles sanitários. Mas são mais perigosos em comidas prontas (e com maior grau de umidade). Num debate aqui na Rede algum tempo atrás alguém falou também do botulismo, que é anaeróbico e perigoso em produtos enlatados, mas que pode ser detectado porque produz gases e “estufa” as embalagens. Por isso quando encontramos uma embalagem estufada pode ser melhor evitar de consumir, mas é mais perigoso em alguns produtos, como carnes e também no palmito.

É muito difícil prever uma ‘data de validade’, é até meio ridículo. Nenhum produto estraga de um dia para o outro: tanto a deterioração por microorganismos quanto a química são processos lentos e progressivos e é muito difícil prever um prazo exato, pois depende do clima e das condições de transporte e armazenamento pelas quais ele vai passar, assim como da resistência das pessoas aos níveis toxicológicos. Me parece que por medida de garantia ao consumidor as datas de validade exigidas pela legislação são bastante encurtadas (confesso que algumas me parecem grandes “chutes”, sem muita base “científica”, até porque deve ser difícil e caro fazer pesquisa para cada produto específico). Por exemplo, o mel, que sendo puro (sem adição de água) é um produto que pode ser armazenado por muitos anos, tem um prazo curtíssimo (acho que de menos de um ano), idem para os grãos (feijões, arroz, trigo, aveia, etc.), que quando bem secos e protegidos , também se conservam bem mais de um ano, até porque são sementes e precisam passar de uma “safra para outra”. Ficam às vezes mais secos e mais duros, mas não fazem mal à saúde.

O talharim, como é um produto seco, se não estiver mal armazenado e não tiver traça nem caruncho, pode durar pelo menos 2 3 meses a mais do que a “data de validade”.

É preciso ter muito cuidado com produtos proteicos, como carnes, peixes, mariscos quando apenas resfriados, que que são mais perigosos, pois são produtos muito perecíveis e que podem causar fortes intoxicações, então nestes casos qualquer alteração na aparência e no cheiro já deve ser sinal de alerta, mesmo que estejam dentro do prazo de validade. Mas congelados podem durar anos (só é importante cozinhar logo depois de descongelar). Quando salgados e secos também duram muito tempo. Os lácteos também são um pouco mais sensíveis, é preciso ficar atento, mas há muitas diferenças entre eles. Aprendi que os queijos de leite cru, por exemplo, se não amargam nos primeiros dias depois de feitos, não estragam, mas sim maturam/ curam, porque as bactérias lácticas predominam e terminam eliminando microorganismos ruins. Então nos queijos se o cheiro e o gosto forem bons, 98% de chance de não fazerem mal. O amargo é grande sinal de alerta nos lácteos (não consumir se estiver amargo). Outro problema é o ranço na gordura (oxidação – processo químico), que mesmo congelando pode continuar. Já o creme de leite parece ser mais perigoso, mas ele amarga rapidamente quando passa do ponto…

Enfim, acho que como a Rede defende o princípio dos 3 Rs (Reduzir, Reaproveitar, Reciclar), é muito importante a gente ter um olhar crítico sobre a forma estreita como a mídia e a vigilância sanitária no Brasil tratam a questão do prazo de validade, que termina levando a um grande desperdício.”