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Relato da 5a. Visita ao Assentamento Terra Prometida

No dia 19/05/19 o núcleo Urca realizou a 5a. visita ao assentamento Terra Prometida. Segue o relato:

No dia 19 de Maio de 2019 realizou-se a 5ª visita ao assentamento Terra Prometida, do MST, organizado pela Rede Ecológica via seu núcleo da Urca, com participação de 31 adultos e 2 crianças. Após a chegada, onde fomos recebidos com um café da manhã preparado pela Socorro e por outras integrantes do assentamento, saímos, conduzidos pela Bianca, em visita ao lote do produtor Jackson, que abastece a Rede Ecológica de cítricos, aipim, berinjela, entre outros produtos. Ao voltarmos à sede da cooperativa, degustamos o almoço da roça, preparado com produtos frescos e orgânicos produzidos pelo assentamento.

Após o almoço procedeu-se à realização da roda de conversa, que contou com a presença de todxs xs visitantes, além de vários produtores do assentamento, e de Juliana, Bianka e Daniel, integrantes do assentamento e viabilizadores da organização da visita.
Inicialmente, Juliana fez um relato sobre a história do assentamento Terra Prometida, onde soubemos da longa trajetória percorrida pelos assentados para chegar até aqui.

Em 1999 várias famílias acamparam em terras de Miguel Pereira, aguardando que se cumprisse a lei da Reforma Agrária, prevista em nossa Constituição de 1988, que prevê que terras não produtivas sejam distribuídas para agricultores sem terra para que produzam e cumpra-se o uso social da terra. Pela lei o governo, além de assentar os produtores, garantindo-lhes a posse da terra, deveria dar suporte técnico para a agricultura e de infraestrutura para as moradias. Durante um ano os acampados aguardaram providências do governo e nada ocorreu. Foram então obrigados a transferir-se para terras em Santa Cruz, onde ficaram durante 5 anos e também não tiveram o retorno previsto em lei.

Em 2006, tiveram novamente que se transferir, dessa vez para essa região localizada entre Caxias e Nova Iguaçu, ocupando a Fazenda JR, onde novamente foram confrontados com interesses da empresa alemã TKCSA na área. Em negociação com o ITERJ, conseguiram se instalar na área de 2 fazendas em Nova Iguaçu, área essa que não foi suficiente para acomodar todas as famílias. Por isso, conseguiram mais terras contíguas situadas ao lado, no município de Caxias, sendo o assentamento Terra Prometida então localizado em dois municípios. O ITERJ não promoveu nada de políticas públicas até agora, apenas dividiu os lotes e mandou pequena quantidade de tratores.

Tudo que há no acampamento foi feito pelos assentados com grandes dificuldades de recursos e enfrentando até hoje condições adversas de infraestrutura: não tem luz, tendo que fazer “gatos” para poder ter energia elétrica; não há ônibus escolar para os assentados de Nova Iguaçu e as crianças têm que se deslocar por 10 km para chegar à escola. As crianças de Caxias tem uma escola, que é o único equipamento público na região e educa de forma totalmente fora da realidade das crianças assentadas; só oferece ensino fundamental, não tem ensino médio e por isso muitas famílias não trouxeram seus filhos para o assentamento. A escola está quase sendo engolida pelos areais, que têm sido um problema gravíssimo para o assentamento Terra Prometida.

A questão da ocupação das terras da reforma agrária por exploradores de extração de areia na região – atividade ilegal, invasiva e extremamente danosa ao meio-ambiente – é um dos grandes problemas dos assentados nesse momento. Há uma forte luta por garantir a ocupação destas terras que estão sendo perdidas para os areais pela falta de fiscalização e atuação dos órgãos públicos responsáveis.

O terreno de entrada do assentamento está nessa situação e os assentados estão ocupando com plantio e recuperando o parquinho das crianças. Algumas entidades públicas como o próprio ITERJ – órgão responsável, a UFRJ e outras, estão apoiando a ação dos assentados. Houve uma audiência pública na Alerj sobre essa questão, onde a Rede Ecológica esteve representada pela Miriam, que ressaltou a importância do MST para a Rede Ecológica e dessa luta pela soberania alimentar para a sociedade. Foi sugerido o filme Crime Ambiental e Capitalismo como fonte interessante para entendermos a questão e reforçou-se a necessidade de nós e a sociedade civil denunciarmos essa situação.

Outro ponto, presente inclusive no mural que foi realizado, foi abordado pela Miriam, do núcleo da Urca, que explicou o sentido e a importância da Campanha de Financiamento Coletivo para arrecadar fundos para a compra de um caminhão para o Coletivo Alaíde Reis (assentamento Roseli Nunes e Terra da Paz), formado pelas famílias assentadas do MST do Sul Fluminense, que também será usado para distribuir a produção do assentamento Terra Prometida. Esse veículo é fundamental pois o escoamento da produção é um dos grandes desafios para os produtores dos assentamentos e também para viabilizar a compra dos produtos dos assentamentos pela Rede Ecológica. Além disso, a Kombi que está em uso está em péssimas condições de funcionamento, gerando problemas nas entregas e dificuldades para o motorista. A campanha vem arrecadando doações e empréstimos tanto de associados da Rede Ecológica quanto não associados e está sendo um sucesso, tendo quase chegado à meta que se propôs, de captar R$ 40.000,00. Além de atingir seu objetivo da compra do veículo, este movimento vem ao encontro da construção de novas formas de captação de recursos independentes do sistema financeiro e baseadas em relações de solidariedade e confiança.

Juliana falou sobre algumas parcerias desenvolvidas pelo assentamento com instituições e empresas. Há algum tempo atrás houve uma parceria exitosa com a UNIRIO, onde foram instalados alguns filtros para tirar a ferrugem, que é forte na água da região por conta dos areais. As empresas Danone e o Sebrae propuseram parceria como forma de apresentarem uma compensação ambiental pelo uso da água da região, onde ofereceram verba de R$ 10.000,00 para que se fizessem galinheiros na região. O contrato porém era capcioso e discretamente estabelecia que o montante teria que ser devolvido pelos assentados mais adiante, alegando que seria aplicado em outros projetos na região, os quais os assentados não são chamados a participar nem a opinar. Danone, Coca-Cola e Nestlé utilizam/engarrafam ilegalmente água da Reserva do Tinguá.

Como observamos a partir da visita no local, os assentados do Terra Prometida lutam diariamente pela posse da sua terra constantemente ameaçada por interesses econômicos. Por isso, povoar o assentamento e produzir alimentos significa segurança e qualidade de vida. Vendem produtos agroecológicos para feiras, redes (como a Rede Ecológica) e para a Feira da Reforma Agrária. Mesmo sem assistência dos órgãos competentes como ITERJ (que enviou poucas máquinas) e EMATER, que deveriam responder pelo cumprimento da lei da Reforma Agrária e prover estrutura básica para o assentamento (como água, luz, transporte, acessibilidade), além de encaminhar acompanhamento técnico para a produção, os proprietários de lotes do assentamento estão fazendo planejamento produtivo para a produção agroecológica entre os que estão mais conscientes. Esse tipo de produção acrescenta saúde ao trabalhador, que não se envenena com produtos químicos e também se torna mais barato para o produtor. O MST faz também parcerias técnicas com universidades para orientarem os agricultores. O assentamento Terra Prometida pretende iniciar o cultivo do arroz orgânico, também como forma de aproveitar as lagoas que os areais deixam pelo assentamento e que roubam espaços de plantio.

Ao final, Juliana propôs uma prática inspirada nos povos indígenas originários, de construção de uma textura sonora onde os integrantes da roda pronunciavam apenas as vogais dos seus nomes, pois para os Yanomami a força da palavra reside nas vogais. No início, todos na roda sussurravam as vogais do seu nome e, lentamente, o tom foi aumentando e ganhando força e vibração, enquanto o círculo girava. Essa prática coroou a energia de aprendizado, respeito e troca que permeou nossa visita pelo Terra Prometida, onde fomos muitíssimo bem recebidxs.