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O III Encontro Nacional de Agroecologia e o Consumo

De Miriam Langenbach : O III Encontro Nacional de Agroecologia e o Consumo
Podemos notar que a agroecologia desde o I Ena, em 2002, tem avançado sistematicamente no sentido de pensar e estimular ações relacionadas a agroecologia, integrando o país inteiro nesta nova caminhada.. Só percebemos, que – e isto não apenas por parte do Brasil, mas também internacionalmente – o assunto consumo não é visto como prioridade da agroecologia. O assunto entra tangenciando ou não aparece nos seus eventos, assim como nos projetos desenvolvidos. Como se esta questão não fizesse parte.

Enquanto que o sistema capitalista tem sido muito eficiente em termos de unir e controlar toda a cadeia – a produção e o consumo – dentro de seus interesses, e sob sua hegemonia, o mesmo não pode ser dito da agroecologia. A negação do assunto, que se refere a uma ponta de bilhões de habitantes que agora vivem predominantemente em meios urbanos e que são concebidos basicamente para serem consumidores, leva a que um aspecto crucial fique de fora das práticas e propostas da agroecologia.

Assim, vê-se que o assunto é tratado pela agroecologia mais no âmbito da comercialização: busca-se ver como escoar os produtos, e neste sentido tem avançado, com iniciativas coletivas, democráticas. Basicamente as feiras agroecológicas/orgânicas são colocadas como contraponto aos supermercados, espaço central da ação do agronegócio. Além delas, a entrada na alimentação escolar, tem sido conquistada, apesar das dificuldades. E isto vai junto com o fortalecimento dos conselhos de segurança alimentar.


Entretanto o foco está na venda/escoamento dos produtos e a conscientização e entendimento do que estas iniciativas representam ainda é secundário. Que a massa de alunos não só entenda o que está em jogo, mas que participe ativamente do processo. Este é um processo complexo, já que as grades currriculares estão mais voltadas para a acumulação de um conhecimento que atenda aos interesses do sistema capitalista.

Não se pode ficar apenas na lógica do escoamento da produção, que proporcionará renda ao agricultor, mas tem que se ir mais fundo no porque esta alimentação é tão fundamental.

Se tomarmos a questão do veneno como um divisor de águas, fica claro que a agricultura familiar é o espaço para implantar esta mudança de paradigma, e é o que está acontecendo. Mas de qualquer modo ainda a agricultura familiar agroecológica é minoritária. E corresponde a um movimento de grande esforço de agricultores, que os consumidores acabam não conhecendo em seus meandros.

O consumo acaba sendo um tema muito mais amplo, que pega os desejos, os valores, a cultura que influencia e define a compra, mas que vai muito além dela, definindo comportamentos e tendencias sociais.

O sistema capitalista tem conseguido agir incessantemente emcima do assunto consumo, no âmbito da vida das pessoas: a televisão tem sido um aliado de primeira hora para as crianças, e ao longo da vida , combinando lazer, informação com uma hegemonia que indoutrina em verdadeira lavagem cerebral, o que que deve ser considerado importante e objeto de atenção das pessoas. Vai criando um ambiente de monocultura da mente, em que as diversidades acabam ficando mais no detalhe. Os valores passados são o dinheiro, a competição, aqui e agora, a aparência, a praticidade, dentro de uma estratégia de uma movimentação continua, que não deixa pensar.

A escola, com sua segmentação de cadeiras, com a avaliação sempre em curso, que privilegia conhecimentos vindos de cima, também não incentiva a familiarização com o real, e com o pensar a respeito de como se preparar para promover a sustentabilidade das futuras gerações.

Através do êxodo do campo, jogou se a maioria da população em cidades – especialmente em enormes cidades – , dificultando muito seu acesso e contato com a natureza, com suas raizes. Ao contrário, as cidades tem se tornado um espaço de poluição, de sujeira, na qual a terra, a água, o ar, tudo inspira preocupações. Assim as crianças, além de não ter acesso a ela, aprendem desde a mais tenra idade a temê-la, vendo-a como algo a ser combatido.

O sistema tem poderosa proposta em relação a esta população, que é sua transformação em consumidores, que se interessem ao que o sistema tem para oferecer. Para isto é importante que ele esteja dentro da lógica que está sendo proposta. a televisão é um aliado fundamental, que reforça o que é moderno e atual. E isto é o que é valorizado. A televisão, mais do que a escola ou a família torna-se a referencia. É uma referencia de alguém que fala e mostra sem cessar, sem permitir nenhuma resposta. Invade e ocupa o imaginário, que passa a ter mais dificuldades de desenvolver um curso mais livre. E passa a ênfase aos objetos como o valor primordial da vida; aos produtos industrializados, que são oferecidas em massa, em milhares de matizes e detalhes, que vão absorvendo totalmente a atenção da população, que gira ao redor da aquisição dos mesmos.. As escolas acabam ficando reféns desta forma de funcionamento, e as famílias, também ficam seduzidas, e, quando tem criticas, se sentem impotentes de fazer frente a esta avalanche.

Parte desta transformação é que os processos se tornam algo cada vez mais ignorados, então não se sabe de onde vem os alimentos – para tomarmos o item mais básico de nossa vida – e para onde vão. Vive-se no aqui e agora, definido pelas oportunidades de consumo, marcado pelo que está em moda num certo momento. Na escola aprende-se conteúdos que em geral estão separados de uma prática de vida que ajude as pessoas a se reapropriar dos processos, se aproximar da natureza. Perceber o que estamos fazendo com a natureza, e que terá desdobramentos e conseqüências. Tudo isto é negado sistematicamente, vivendo-se numa redoma. (continua na próxima carta)

III Ena e o consumo (2) (1)