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Food revolution day dos ultraprocessados, por Juliana Dias e Mônica Chiffoleau

4. https://conhecerparacomer.com.br/2016/07/27/food-revolution-day-dos-ultraprocessados/

Food revolution day dos ultraprocessados?

Se pensarmos no que comemos, é inevitável lembrar algumas marcas de produtos que chegam nas nossas casas. Encontramos hoje uma concentração tão importante no sistema alimentar que as duzentas primeiras sociedades agroalimentares controlam aproximadamente um quarto dos recursos produtivos mundiais. Estas empresas dispõem de recursos financeiros superiores a muitos dos países que estão implantadas. Exercem um monopólio de fato no complexo alimentar, da produção à distribuição, passando pela transformação e comercialização de produtos. O seu peso é tão importante que influenciam mesmo nas decisões do governo. O efeito desse poder tem sido, muitas vezes, a restrição da escolha dos agricultores e consumidores. Adicionalmente, o controle crescente das corporações transnacionais nos setores da produção e do comércio alimentar internacional, tem repercussões consideráveis no exercício do direito à alimentação adequada e saudável.

O sociólogo francês Claude Fischler, ao analisar a modernidade alimentar aponta três conseqüências para o que chama de Gastro-anomia, ou seja, uma crise nas regras e normas que regulam a alimentação. A primeira é superabundância, com a produção com base em monocultura e larga escala; a segunda diz respeito a diminuição dos controles sociais; e o terceiro ponto trata sobre a multiplicação dos discursos alimentares.

Esse sistema alimentar hegemônico, como uma máquina soberana, pode ser identificada por corporações monopolísticas, por exemplo, dez empresas – entre as quais Aventis, Monsanto, Pioneer e Syngenta – controlam um terço do mercado de sementes e 80% do mercado de pesticidas. Outras dez empresas, entre elas Cargill, controla 57% das vendas dos trinta primeiros maiores varejistas do mundo e representam 37% das receitas das cem maiores empresas produtoras de alimentos e bebidas. Em certos setores da transformação e comercialização de produtos agrícolas, mais de 80% do comércio do produto agrícola se encontra nas mãos de alguns oligopólios, como esclarece o sociólogo suíço Jean Ziegler no livro Destruição em Massa (Ed. Cortez, 2013).

No campo do consumo de massa, encontramos 10 empresas alimentares: Associated British Foods (ABF), Coca-Cola, Danone, General Mills, Kellogg, Mars, Mondelez International (antes Kraft Foods), Nestlé, PepsiCo e Unilever, que controlam quase tudo o que é consumido diariamente, de acordo com o estudo Por trás das Marcas, publicado pela ONG espanhola OXFAM. Parte do êxito das maiores corporações globais tem sido baseado no controle rigoroso das estratégias de marketing, com altos investimentos em publicidade. No mundo dos negócios, há seis décadas o marketing é uma das mais cobiçadas estratégias da comunicação mercadológica. Em linhas gerais, trabalha-se três grandes disciplinas: gestão de produto, gestão do consumidor e gestão das marcas. Aqui, vamos falar em especial da estratégia de marca ou branding.

Desde o final dos anos 80, a informação passou a ser mais acessível devido a uma série de acontecimentos cruciais do ponto de vista da globalização, tais como, a entrada dos computadores pessoais no mainstream e o nascimento da internet. Os consumidores passaram a se conectar em rede, e com mais informação, os marqueteiros entenderam que era necessário criar um conceito de marketing focado nas emoções humanas para chegar ao coração do consumidor. As marcas deveriam conquistar, nascendo assim, a gestão de marca, desenvolvida a partir dos anos 1990.

A transformação do sistema alimentar vem sendo acompanhada do desenvolvimento e da evolução do marketing, que entende o alimento como qualquer outro produto para ser vendido a grupos-alvo específicos. O crescimento do consumo em massa teve na industrialização – ou seja, na mudança do alimento para nutriente e nas commodities alimentares altamente subsidiadas – os maiores aliados para oferecer produtos altamente processados, com grande agregação de valor e conveniência, que inundam hoje as prateleiras das redes varejistas.

Pensar na marca nos leva a explorar os conceitos de máquina, elaborado pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, no livro Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia (Editora 34). Na primeira máquina territorial primitiva predominavam a terra e os laços locais. Ferros em brasa marcavam os indivíduos, a pertença se dava através de iniciações e circuncisões. Esta marca era uma inscrição territorial e corporal. A máquina territorial primitiva foi destituída pela máquina despótica, ou soberana, caracterizada por se apoderar das territorialidades primitivas, com a era das conquistas e colonizações no Novo Mundo. Nesta etapa, as terras conquistadas por cada reino tornaram-se a segunda inscrição e codificação.

A terceira máquina, descrita pelos autores, é a máquina capitalista civilizada, que se impõe às demais descodificando e desterritorializando as inscrições da máquina soberana, baseando-se na abstração monetária. A marca hoje não é mais física, mas sim subjetiva. As colônias de terras foram substituídas pela colonização da mente do consumidor por meio das estratégias de branding. Nesse esquema explicativo, as corporações globais representariam os novos soberanos, pois a sua expansão permite 70% de trocas no mercado internacional entre as próprias filiais destas empresas, conforme os dados que citamos acima. A concentração de marcas em torno de 10 corporações possibilita chegar a cada nicho de mercado.

O que nos interessa ressaltar é a importância da marca, que já não está no corpo, mas na mente. Constitui um elemento fundamental para a liderança global. As empresas se empenham em constituir relações e alianças com seus consumidores gerando uma inscrição e fidelidade através da marca.

Assim, o investimento em comunicação torna-se imprescindível. O esforço na fidelização da marca (branding) é um dos grandes requisitos de sucesso, na qual o marketing das emoções é uma das estratégias bem-sucedidas. Posicionar a marca na mente dos consumidores é fundamental. Para ilustrar este modelo de atuação, tomamos como exemplo a marca mais valiosa do mundo, a que soube chegar primeiro ao coração do consumidor. A Coca Cola foi comprada pelo pai de Robert Woodruff, em 1923, num momento em que as vendas estavam caindo.

A empresa deve a Woodruff o fato de ter sido um dos melhores em alcançar as emoções das pessoas nas empresas de consumo de massa. O grupo-alvo da empresa eram as crianças, conscientes de que nessa fase são mais vulneráveis diante da persuasão, especialmente nos momentos em que estão felizes. A estratégia consistia em relacionar o consumo da bebida a um momento de felicidade, o que levaria os consumidores a despertarem suas emoções. Baseado em sua própria experiência, Woodruff declarava: “Quando era criança, meu pai me levou ao meu primeiro jogo de baseball, para mim o mais sagrado eram os momentos com o meu pai. O que a gente bebia era uma Coca Cola bem gelada, que fazia parte desse sagrado momento”. O relato está no livro Sal, açúcar e gordura, do jornalista norte-americano Michael Moss.

Moss explica que a ideia era que a bebida deveria estar presente naqueles momentos especiais da vida, criando uma conexão emocional com o contexto vivenciado, exposto na publicidade. Assim, a Coca-Cola converteu-se numa das marcas mais poderosas do mundo, profundamente enraizada nas pessoas, gerando lealdade entre os seus consumidores Como a maioria das empresas do setor, a Coca-Cola faz altos investimentos em publicidade. Criou a Coca-Cola Retailing Research Council, entidade cujo objetivo é guiar os marqueteiros nos seus esforços de segmentar seus grupos-alvos com precisão. A proposta é identificar as formas nas quais o grupo-alvo é mais vulnerável para ser persuadido. O conselho conduz um dos principais estudos sobre hábitos de compra, de acordo com Moss.

A Sadia e sua parceria com Jamie Olivier

A Sadia, é uma das marcas da BRF, como anunciado no site da empresa. É uma das maiores companhias de alimentos do planeta, criada a partir da associação entre a Sadia e a Perdigão, duas gigantes do mercado alimentício, em 2009. São líderes globais na exportação de proteína animal.

A parceria entre o conhecido chef inglês Jamie Oliver e a empresa BRF, especificamente com a marca Sadia, gerou polêmicas e questionamentos por todos aqueles que defendem a alimentação saudável. Este movimento tem sido considerado uma das grandes tendências alimentares nas últimas décadas. Chefs, cozinheiros, pesquisadores, agricultores e comedores em geral, desde celebridades até cidadãos comuns, que compreendem que suas escolhas têm certa influência política, ou seja, a consciência que, ao escolher um alimento, estão decidindo qual sistema alimentar querem alimentar.

Um dos dez passos para a alimentação saudável é desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias, de acordo com Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014 pelo Ministério de Saúde. “O enfraquecimento da transmissão de habilidades culinárias entre gerações favorece o consumo de alimentos ultraprocessados”. Para colocar em prática essa orientação, o guia sugere:

Se você tem habilidades culinárias, procure desenvolvê-las e partilhá-las, principalmente com crianças e jovens, sem distinção de gênero. Se você não tem habilidades culinárias – e isso vale para homens e mulheres –, procure adquiri-las. Para isso, converse com as pessoas que sabem cozinhar, peça receitas a familiares, amigos e colegas, leia livros, consulte a internet, eventualmente faça cursos e comece a cozinhar!

Jamie Olivier, faz parte do grupo de personalidades que lidera o movimento para uma alimentação saudável, convidando a todos a entrar na cozinha. No seu livro 30 Minutos e Pronto (Ed. Globo), o chef desafia os leitores a criar refeições completas em 30 minutos. Além dos cardápios, Jamie incentiva o consumo de alimentos naturais e orgânicos.

E o que são alimentos naturais e ultraprocessados?

O Guia alimentar esclarece os tipos de alimentos. Alimentos in natura, ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, devem ser a base da alimentação, segundo o guia brasileiro.

Alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza.

Os alimentos minimamente processados são alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos incluem grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.

Alimentos ultraprocessados são produtos fabricados com pouco ou nenhum alimento in natura, mas que levam muitos ingredientes de suo industrial (de nomes pouco familiares). Biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes e macarrão instantâneo são exemplos desse tipo de alimento.

Estas recomendações estão acolhidas no conceito comida de verdade construído coletivamente durante a V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em Brasília no ano de 2015:
(…) é a salvaguarda da vida e do planeta, é saúde, é justiça socioambiental, é direito humano. Começa com o aleitamento materno e deve ser assegurada em todo o ciclo de vida. Sua plena realização requer que os povos tenham acesso à água e possam exercer o direito soberano de produzir e consumir alimentos saudáveis, variados, in natura ou minimamente processados, com preços acessíveis provenientes de sistema socio-ambientalmente sustentáveis, como os sistemas agroecológicos e circuitos de comercialização direta.

Como reconhecer uma comida de verdade no dia a dia?

● Não vem em caixinhas e não possui um alto teor publicitário.
● Não é um produto de conveniência.

O jornalista Michael Moss comenta que o atributo conveniência foi definido pelo Charles Mortimer, antigo presidente da General Foods da seguinte forma: produtos que vêm em uma caixa, que podem permanecer meses numa prateleira, que podem ser comidos no caminho, e que podem ser servidos sem a necessidade de ligar o fogão. A General Foods teve uma grande influência para que o atributo da conveniência ganhasse cada vez mais adeptos. Uma das estratégias de Mortimer foram as aulas de economia doméstica, ensinadas pelos professores nas escolas americanas, incluindo aulas de cozinha e de como evitar a compra de alimentos processados. Ele criou um novo exército de professores de economia doméstica em 1950, pagos pela empresa, e lançou a personagem Betty Crocker com o objetivo de levar ao mercado as virtudes da conveniência.

Moss, em sua investigação sobre a indústria alimentícia, quem nos revela essas artimanhas. Betty Crocker foi levada para a televisão com a finalidade de fazer publicidade. A personagem fictícia foi convidada para os melhores shows de TV, ajudando a construir um novo imaginário da mulher na sociedade americana. Neste novo ideário, a liberação da cozinha era um elemento fundamental. A justificativa proporcionada pela publicidade afirmava que usar alimentos preparados, ou congelados, permitiam à mulher economizar o tempo necessário para realizar outras tarefas importantes como a de “mãe”, “esposa moderna” e trabalhadora. A aposta de Mortimer foi bem-sucedida: em 1959, a revista Time publicou uma matéria sobre produtos de conveniência, indicando que a pessoa que melhor ilustrava a nova forma de cozinhar era justamente Charles Mortimer.

Utraprocessado revolucionário, prontos para cozinhar?

Desde os anos 60, algumas mulheres se sentiam culpadas com os produtos de conveniência por já virem prontos. Essa informação foi transmitida para a indústria, fazendo preparações nas quais a mulher pudesse participar na preparação. A partir desse momento existem versões nas quais quem “prepara” a refeição pode participar incluindo leite, ovos, ou algum outro ingrediente. Será esse o convite do Chef, nessa campanha de expectativa?

Frente às múltiplas críticas recebidas pela parceria de Jamie Oliver no perfil da Sadia, a empresa tem uma resposta padronizada que diz o seguinte:

Queremos trazer uma alimentação melhor para o povo brasileiro! E com o mesmo objetivo, o Jamie Oliver se juntou a nós.Iniciamos a nossa parceria há mais de um ano e, desde então, revimos todos os nossos processos, produtos, fábricas e granjas. Fizemos uma linha de alimentos congelados que, graças à uma tecnologia de ultracongelamento, não levam conservantes. A linha de produtos que estamos preparando como o Jamie, contará com ingredientes naturais. Também vamos aplicar o projeto #SaberAlimenta para as crianças do nosso país e queremos incentivar o brasileiro a voltar para a cozinha.
Tudo isso, sempre pensando no bem-estar do animal.

Se quiser saber mais sobre o projeto, dá uma olhadinha aqui:bit.ly/jamieoliveresadia

E estamos à disposição para tirar qualquer dúvida!

Abraços.

O nosso interesse tem a ver com cozinhar como um dos passos para a alimentação saudável, por isso tomamos duas frases totalmente contraditórias na explicação da Sadia. Vale lembrar que logo após a publicação do Guia Alimentar, a Sadia lançou uma campanha publicitária chamada O de à Comida, em que assinava com o seguinte slogan: “Sadia, com S de sua”.

Fizemos uma linha de alimentos congelados… queremos incentivar o brasileiro a voltar para a cozinha.

Voltar na cozinha para a cozinha com uma refeição pronta? Isto é o que oferece um produto de conveniência. Infelizmente, muitos consumidores estão prontos para se relacionar com a cozinha desta forma superficial, mediada prioritariamente pela indústria alimentícia.

Informações que alimentam a máquina alimentar soberana: as empresas colocam a lupa nos consumidores. Justificando sua parceria, Jamie Olivier respondeu para o caderno Paladar, do jornal O Estado de São Paulo:

Estou errado? Talvez. Mas, para mim, estar dentro dessa máquina, uma empresa que é responsável por 18% do frango no mundo, é algo positivo. E digo que, certamente, eu poderia estar ganhando mais dinheiro fazendo outra coisa. É claro, estou entrando num ambiente estranho, até incestuoso, complicado. Mas em um ano vamos conversar e eu vou te mostrar o resultado do que fiz.

Esta resposta nos remete às palavras de Marion Nestle, no seu livro Food Politics (UC Press, 2003, ainda sem tradução em português). Assim como o chef sinaliza, estamos falando sim de uma máquina, a máquina alimentar hegemônica, que produz alimentos processados e ultraprocessados:

As empresas devem competir com agressividade por cada dólar gasto em comida. A primeira missão das empresas é vender produtos. As empresas não são agências de saúde ou serviços sociais. A nutrição se converte em um fator que para as empresas só é considerado se puder ajudar a vender. As opções éticas são muito pouco consideradas, explica Marion, nutricionista especializada em políticas públicas.

E se o Jamie Oliver está ciente de que está entrando numa máquina, apontamos o que o filósofo francês Gilbert Simondon observou nos anos 60: as máquinas industriais eram informacionais por bifurcarem a fonte do trabalho mecânico (a energia natural) e a fonte da informação (o operário). Em 1972, Deleuze e Guattari visualizavam esta máquina ao indicar que a cibernética abandonava a fábrica para enervar toda a sociedade. Morin desenvolve essa ideia, partindo da origem da cibernética à organização comunicacional; e ao aparelho dominador, sinalizando como a originalidade da cibernética foi a ligação da comunicação e do pedido informacional, onde a informação comunicada se torna “instruções” ou “ordens”.

A partir desta compreensão proposta por Morin, o aparelho (a máquina) dispõe de poder para transformar informação em programa, ou seja, em imposição organizacional. O aparelho está, portanto, computando (tratando a informação) e ordenando (dando ordens, organizando a ordem). Seguindo esta linha de pensamento, o mercado pode ser tratado como uma máquina que recebe informação. Esta deve produzir desejo nos consumidores que, ao comprarem, a alimentam com energia. Esse processo é chamado por alguns autores de capitalismo cognitivo, em que todo o conhecimento social é apropriado pelo capital, transformando a informação em um valor, cuja finalidade é o lucro.

Quando uma tendência surge, as empresas definem suas estratégias de nicho, considerando que as necessidades desse grupo de consumidores ainda não estão sendo atendidas. Esta é a forma em que uma corporação pode capturar um fluxo que se encontrava fora do mercado. Assim, o ato de cozinhar como revolucionário está no limiar, na zona fronteiriça, no cruzamento, trazendo afeto, compartilhamentos, novas composições. É justamente esse fluxo, essa fronteira que se pretende capturar, associando o prestigiado chef e a atividade culinária. As empresas precisam vender, capturar fluxos, esta atividade as dinamiza e as fortalece. Se a tendência é dedicar mais tempo ao preparo das refeições, então, a indústria busca capturar o que está fora de seu alcance, lançando mão do marketing e da publicidade, trazendo o aval de nomes de prestígio.

A concorrência entre as empresas por absorver os movimentos do campo alimentar é acirrada. Na mesma semana que a Sadia anuncia a parceria com o Olivier, a Seara lança a campanha com o chef brasileiro Alex Atala, reconhecido internacionalmente como defensor da biodiversidade brasileira. A figura do chef de prestígio traz segurança quanto ao uso e qualidade dos produtos que vem sendo fortemente questionados por diferentes grupos da sociedade civil organizada.

Para aqueles que tem clareza da importância do ato de cozinhar como revolucionário, Jamie se transformou num garoto propaganda da Sadia. Muitos de seus embaixadores abandonaram o movimento Food Revolution Day, criado pelo chef, que por sua vez é patrocinado pela Fundação Bill e Melinda Gates, uma das principais investidoras no mercado de transgênicos e biofortificados. Em sua página no Facebook, o chef mirim Biel Baum faz um comentário coerente

A captura, o nicho que interessa a Sadia, é justamente os consumidores que ainda não compreendem a importância do que defende o Ministério de Saúde através do Guia Alimentar Brasileiro, “procure desenvolver suas habilidades culinárias” e adverte que deve-se “ser crítico quando a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais”.

A defesa da cozinha como território de uma práxis, em que se busca prática e refletir sobre nossa alimentação diária, é feita enfaticamente pelo jornalista e ativista norte-americano Michael Pollan, em seus livros, entre os quais, o mais recente intitulado Cozinhar: uma história natural da transformação (Ed. Intrínseca, 2014). Pollan se propõe a investigar os processos culinários do fogo, água, ar e terra para demonstrar a necessidade biológica e cultural que temos de cozinhar nossos alimentos. Em sua visão, as sociedades modernas terceirizaram uma atividade essencial para a indústria alimentícia, gerando uma desestruturação nos hábitos alimentares, provocando uma sucessão de prejuízos ao meio ambiente.

No entanto, o autor chama de Paradoxo do Cozinhar. De acordo com Pollan, a escolha diária do que colocar no prato não se reduz à comida caseira versus comida industrializada. Podemos estar em algum lugar entre esses dois polos distintos, que muda constantemente em função do dia da semana, da ocasião e da disposição.

O que chamamos de cozinhar, explica Pollan, pode se realizar dentro de uma multiplicidade, como de fato vem acontecendo há pelo menos um século, quando alimentos processados entraram pela primeira vez na cozinha e a definição do que seria “cozinha do zero” começou a mudar. No decorrer da semana, a maioria de nós passeia por toda essa multiplicidade (comer fora, usa o pacote de brócolis congelado, a lata de atum na despensa, a caixa de ravióli comprada na esquina), justifica o autor. A novidade, contudo, está no grande número de indivíduos que agora passam muitas de suas noites num dos seus extremos, valendo-se em quase todas as refeições de uma indústria disposta a fazer por eles tudo que não seja esquentar e comer. E se há a demanda para que o consumidor participe mais do processo de preparação das refeições prontas, incluindo um ingrediente de seu gosto para finalizá-la, a disposição para atender esse desejo é a mesma.

Capitalismo cognitivo

A captura de fluxos é possível graças ao capitalismo cognitivo que, a partir de informação, obtém conhecimento sobre os consumidores. No caso do mercado de produtos de massa, podemos exemplificar com um dos softwares, largamente utilizado pelas empresas líderes no mercado. O Target Group Index, criado na Inglaterra em 1968, é um minucioso retrato do comportamento e dos hábitos de consumo da população, em seus vários segmentos. Presente no Brasil desde 1999, o estudo é resultado da parceria exclusiva entre IBOPE Media e Kantar Media. Atualmente, essa pesquisa é realizada em mais de 60 países, totalizando mais de 750 mil participantes por ano. Na América Latina está presente em nove países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela, incluindo também Porto Rico.

Informações sobre consumo de mídia, produtos e serviços, características sociodemográficas e estilo de vida (opiniões, atitudes e interesses), são consideradas neste estudo. O objetivo é embasar estratégias de marketing e mídia, pois permite conhecer em detalhes o consumidor de determinada marca, produto, serviço e veículo de comunicação. O planejamento de mídia – ações e campanhas publicitárias nos diversos meios de comunicação – depende de um profundo entendimento do público a ser impactado. É preciso compreender não só as necessidades de consumo da população, mas seus desejos, os estilos de vida que adota ou almeja, hábitos e costumes. Ou seja, é preciso estudar e esmiuçar o perfil de compra de cada consumidor para melhor alcançá-lo. E é por meio das mídias que marcas e empresas estabelecem um diálogo com seu público-alvo e demonstram que mais do que suprir demandas, querem estar alinhadas com suas intenções e valores.

De acordo com o teólogo francês Jacques Ellus, a publicidade pode ser vista como uma verdadeira técnica, fundada numa ciência exata: a biologia para compreender os reflexos; e, em seguida, sobre outras ciências exatas: a sondagem da opinião pública: a estatística. Assim, um progresso, se efetua quando a textura mesma das ciências do homem é penetrada pela exatidão das matemáticas. Os métodos métricos são os únicos capazes de analisar e de prever, em vista de uma ação eficaz

Se a tendência é a comida de verdade, é para lá que as empresas vão apontar. Como já citamos, o termo já vem sendo apropriado pelas empresas que produzem ultraprocessados na tentativa de apresentar uma substância comestível, como dia Pollan, como comida de verdade, ou um produto saudável.

Na matéria do Paladar, Olivier pede crédito citando seu histórico. “Há um ano e meio falei para minha equipe que iria me dedicar a criar um novo imposto no Reino Unido. Acharam que eu estava maluco. Mas, veja só, há três semanas foi aprovado o imposto sobre o açúcar – um momento histórico: vamos taxar as empresas de refrigerante e direcionar esse dinheiro, 500 milhões de libras, para educação alimentar das nossas crianças”.

É claro que para melhorar a saúde a porta certa é a política, como é bem explorado no livro Food Politics, de Marion Nestle. Se o chef tivesse procurado uma parceria com a Pepsi e a Coca Cola, o resultado seria a criação de um outro tipo de refrigerante “pseudosaudável”, versão aliás que acaba chegar ao mercado com o nome de Coca-cola verde.

Ellul atenta que se o homem nega o caráter necessário de um fenômeno, escapa de afrontá-lo, se engajando nas vias laterais, e se submete em realidade ao fenômeno. Tomara que este não seja o caso de Jamie Olivier, e que seja só de uma aposta de risco. O problema maior se encontra na maioria dos consumidores, que podem ter ainda maior dificuldade em reconhecer sua sujeição às empresas de alimentação através dos ultraprocessados, por contar com soluções oferecidas pelo mercado, através da credibilidade do célebre chef que defende o cozinhar como um ato revolucionário.

Fechando a matéria do Paladar, Olivier declara: “para ser bem honesto, seria a coisa mais fácil do mundo para mim ter minha hortinha orgânica e biodinâmica, ficar falando sobre o bem que ela faz – e eu acredito mesmo que ela faça muito bem. Mas orgânicos e biodinâmicos são acessíveis ao britânico ou brasileiro médio? Não. Então é uma questão estratégica e tática: para promover mudança em larga escala preciso atuar em larga escala”.

As hortas estão desafiando o fenômeno do sistema alimentar global. Se tem horta, tem alimento orgânico e não precisa ser comprado. Na cidade da foto, Les Avanchets, localizada em Genebra, na Suíça, todas as casas, praticamente, possuem uma horta urbana, segundo o fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand. Cada morador cultiva e têm a cultura de trocar alimentos orgânicos com os vizinhos, ampliando as possibilidades de alimentação saudável.

E para quem não tem quintal, existem também as hortas comunitárias e, trazendo assim a dimensão política da comida.

A publicidade de alimentos ultraprocessados, assinada por chefs, como Jaime Oliver e de Alex Atala, devem servir para ativar o que Paulo Freire chama de curiosidade epistemológica, ou seja, um alerta para refletir na prática alimentar cotidiana, que ao ser delegada a terceiros, pode comprometer a existência de sistemas alimentares plurais e múltiplos, em função de forma de conhecer, produzir, comer e cozinhar.

Por Juliana Dias e Mónica Chiffoleau