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Uma reflexão sobre o amendoim

A defesa que Bibi Cintrão fez da entrada do amendoim para nossa compra coletiva junto a coordenação de frescos e secos, que delibera sobre isto. É um belo exemplo de reflexão, informação, uma aula dada. Vale conferir!

Bibi Cintrão: “Eu tenho trabalhado com o tema das normas sanitárias (entrei neste tema por conta dos queijos de leite cru) e o que tenho percebido é que há um ENORME exagero nos riscos sanitários. Isso no caso dos problemas de origem biológica, pois muitas vezes nos problemas de origem química (pelo forte lobby da indústria) pode acontecer o inverso. E que, não por acaso, isso termina favorecendo grandes produtores e grandes indústrias. Diz um dito antigo que “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”.

 

Para mim, o amendoim e as aflatoxinas são um dos exemplos de exagero e descontextualização dos riscos. As aflatoxinas podem ser mesmo um problema e estão associadas à existência de “mofo” (presença de fungos) em amendoim e castanhas (ou, de uma maneira geral a fungos em sementes ricas em óleos/proteínas). Mas o amendoim é especialmente apreciado pelos fungos produtores de aflatoxinas, por isso um alerta maior para ele. Nos anos 1980 houve no Brasil um certo “pânico” em torno do amendoim e depois disso muita gente deixou de comer. Isso porque houve um “surto” em porcos alimentados na Europa com farelo de amendoim (sub-produto de indústrias de óleo de amendoim) exportado do Brasil, o que levou a problemas com as exportações e detonou o “alerta contra o amendoim” naquele momento.

Acontece que, como o Marcos diz, o amendoim é um produto maravilhoso. É uma planta originária das Américas (domesticada pelos índios americanos), muito adaptada, é uma leguminosa (que aduba o solo, pois fixa nitrogênio do ar) é rica em proteínas e óleos. Considero o amendoim a “castanha” mais injustiçada, tida como “menos nobre”, até por ser uma das mais baratas. Coloco entre aspas porque não é uma castanha, mas tem um uso culinário amplo, semelhante as castanhas e nozes. Lembro que lá nos anos 1980, eu ainda era estudante, eu já tinha achado meio exagerado aquele pânico, com pessoas que sempre haviam comido muito amendoim, sem nenhum sinal de problema de saúde, deixando de comer, com medo. Mas de fato a maior parte dos problemas com aflatoxinas acontecem em animais (aves e porcos) alimentados com ração à base de farelo de amendoim mofado. Atualmente, existem índices máximos de aflatoxinas estabelecidos por lei. Mas necessitam exame laboratorial, caro e inacessível aos pequenos produtores. E estes índices máximos costumam levar em conta as situações extremas (para não dar problema em rações, por exemplo). De fato em grandes produções isso pode ser importante, pois é possível detectar problemas na secagem e no armazenamento. No entanto, para a aflatoxina dar problema de saúde, é preciso que o amendoim esteja “mofado” (com cheiro de mofo) e seja consumido em grandes quantidades. É diferente um animal alimentado com uma ração (que ele não escolhe e que come todos os dias como a base da alimentação) e nós, que comemos o amendoim como aperitivo ou em alguma receita ou manteiga, apenas numa das refeições, normalmente não todos os dias. Saber das aflatoxinas é bom para um alerta maior contra qualquer sinal de mofo.

Até seguindo as orientações deste artigo que o Marcos passou, referente à Instrução Normativa nº 32/2016 (de segurança do alimento, da Anvisa) que diz que não deve ter: “I – mais de 5% (cinco por cento) de grãos mofados e ardidos; II – mau estado de conservação; III – odor estranho, impróprio ao produto”. A única que não vamos cumprir é a medida laboratorial do teor de aflatoxinas (para ver se está dentro da legislação), pois são justamente estas exigências legais de exames laboratoriais que trazem os maiores problemas para os pequenos produtores. E eu aprendi com o Slow Food que o exame sensorial dos alimentos (aparência, cheiro, consistência, sabor) tem grande chance de detectar problemas com contaminações biológicas, pois todos os nossos sentidos foram desenvolvidos para nos dar alertas e faz muito pouco tempo que existem recursos como data de validade e laboratório, que mesmo assim se baseiam em informações gerais e são sempre calculados com base em médias. E de maneira geral são exageradamente preventivos, pois é a sua função (importante em especial para grandes escalas de produção), mas isso também tem consequências negativas.

Em resumo, eu defendo que a gente inclua este amendoim na lista, pedindo antes apenas para a Mariana e a Suely consultarem/ verificarem se não tem mofo e se a qualidade está boa (e consultar o produtor sobre isso). A gente mantem nosso funcionamento na base da confiança e se quando chegar não estiver bom a gente devolte/ não paga. São apenas 25 kg (uma produção pequena), vai ser importante para ele. Pode vir junto com os ovos que a Suelen está enviando. Tem mesmo a desvantagem de estar na casca e dar trabalho para tirar, mas isso deve ser informado na lista de pedido. O amendoim cru e na casca é muito valorizado pelas pessoas que fazem alimentação crua e que usam o amendoim germinado como base para várias receitas. E quem sabe este produtor não pode mesmo futuramente começar a nos fornecer amendoim com mais frequência, seria bem legal, ainda mais sendo próximo. Já tivemos amendoim na lista (era fornecido pela APAT, de Tombos), mas faz muitos anos que não temos.