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Relato Completo da 2a Visita da Rede ao Assentamento Terra Prometida

Em 10 de fevereiro de 2019, 26 pessoas participaram da segunda visita ao assentamento Terra Prometida, organizada pela Rede Ecológica, especificamente pelos núcleos Caxias e São João de Meriti. Dos 26 participantes, 8 eram integrantes da Rede Baixada (Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti). Os demais participantes foram à visita por diferentes motivações, mas todos com a finalidade de conhecer melhor o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dentre os participantes, havia: uma agricultora do Capivari/Duque de Caxias, um membro da APAC, um grupo de universitários de variados cursos, dentre eles Geografia, Relações Internacionais, Cinema e Agronomia, militantes do Movimento Um Litro de Luz e membros da Rede Ecológica de outros núcleos (Botafogo e Santa).

Dentre os participantes que responderam ao questionário de avaliação, 80% disse que estavam conhecendo um assentamento do MST pela 1ª vez. Uma parte dos visitantes chegaram ao assentamento em uma van que saiu de Botafogo, os demais se organizaram em dois carros de passeio em “carona solidária”. Em relação a van, ao final da visita avaliou-se ser necessário, por questões de segurança, uma maior atenção na contratação do serviço.

Nossa recepção foi feita por assentados, base do movimento e membros da direção e lideranças do MST (Juliana, Bianca, Daniel, Mirian, Marilza e Cosme). Como todo grupo chegou dentro do horário previsto (às 9h) foi possível fazer a apresentação de todos os presentes antes do café, preparado com os produtos do próprio assentamento (aipim, batata doce, bolo de aipim e café). Foi interessante uma fala do Cosme questionando a cultura alimentar que nos leva a comer sempre pão francês e o quanto a mudança de hábitos alimentares poderia no

s trazer mais saúde e fortalecer a produção agroecológica. Durante o café fomos informados de que em função das condições do caminho, as visitas não seriam mais nos lotes da Juliana e Ismael e sim nos lotes do Cosme e Tota.

Nessa primeira parte da visita, fomos acompanhados pela Bianca, direção estadual do MST e Cosme, assentado e liderança do movimento.

No trajeto, Cosme iniciou a conversa atendendo uma solicitação da Rede que era a informação de que Ismael, Cosme, Daniel, Carlinhos, Marlene, Carlinho China, Bianca, Tiozinho, Luzia, são os produtores que atendem a Rede Ecológica e que os mesmos, produzem aipim, batata doce, quiabo, hortaliças, berinjela, banana, limão entre outros.

Na chegada ao seu lote, Cosme ressaltou que apenas o lote do Alberto utiliza agrotóxicos na produção agrícola.

Mostrou o sistema de bananeiras, plantadas para evitar brachiaria e com isto permitir o plantio de outras frutíferas. Já tem um corredor de muitas frutíferas que num prazo de aproximadamente 10 anos tem um porte bem desenvolvido.

Ainda no lote do Cosme conhecemos as adaptações criativas que o mesmo fez em seu galinheiro, parte projeto do PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) que utiliza como princípio a criação e livre circulação das galinhas, através de túneis que ligam o terreiro aos viveiros.

Houve no lote uma conversa sobre o histórico e problemas:
Foi explicada a importância do Rio Iguaçu e os afluentes que passam pelo assentamento, bem como, as interferências negativas dos areais nesse processo de mudança e degradação do bioma da região, sobretudo pelo fato dos mesmos, estarem na APA Alto Iguaçu (Área de Preservação Ambiental), onde a legislação proíbe a extração mineral. Cosme informou que a Danone adquiriu o direito de uso da água da reserva de Tinguá, compraram as reservas de água da região, e que a multinacional viu nos assentados um aliado para combater o inimigo comum, no caso, os areais. Segundo as informações de Cosme e Bianca a multinacional está buscando fazer um trabalho com o conjunto dos assentados para o desenvolvimento efetivo da agroecologia no Terra, visando a não contaminação dos lençóis freáticos porque disso depende o bom desempenho dos seus negócios.

Outra questão apontada foi a constante presença de policiais na localidade que vão receber propina dos proprietários dos areais. Essa realidade demonstra uma fragilidade referente à segurança, criando vulnerabilidade para os moradores do assentamento. Essa questão pode estar relacionada aos frequentes assaltos a produção dos assentados. Como exemplo dessa prática local, foram citadas as ações do Zé do Boi que era um produtor da região que expandiu seus negócios, se valendo desses assaltos aos lotes dos assentados, sob a chancela do poder local, ali representado pelos policiais e donos dos areais. As visitas são super importantes para mostrar que o MST não está sozinho frente às pressões que sofrem no local.

Após essas exposições da realidade local, foi feito um resgate sobre a trajetória do assentamento desde sua origem, em Santa Cruz, eles lembram que lá estavam bem localizados, pois estavam ao lado de comunidades que compravam diretamente a produção. De lá também veio o cultivo do famoso aipim de Santa Cruz. Tudo isto antes da chegada da usina siderúrgica CSA, bem como, todo o processo de saída do acampamento para a região que atualmente é o Assentamento Terra Prometida, hoje, localizado no 4º Distrito de Duque de Caxias, no Bairro do Amapá.

Sobre essa trajetória, nos foi informado que a falta de estrutura do assentamento tem ligação direta com o descumprimento inicial do ITERJ – Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro – que não realizou as medidas de infraestrutura na área, como construção de estradas, habitações, escolas e serviços básicos. Após todos esses anos de existência do assentamento praticamente nenhuma obra de infraestrutura foi realizada. Ele pontuou que em função dos constantes alagamentos, um grande número de famílias abandonou seus lotes. Atualmente no assentamento vivem 58 famílias. Contudo, Bianca e Cosme reconhecem que em comparação a outros assentamentos, o Terra é bem localizado e as dificuldades do mesmo ainda são menores que de alguns localizados no Norte Fluminense. Para tal, citou o exemplo do preço da caixa de aipim que, segundo ele em Macaé custa de 8 a 12 reais a caixa, no Terra custa 60 reais.

Em seguida fomos ao lote do Tota, onde conhecemos sua criação de gado sua produção e instalações no PAIS.

.Após essa caminhada retornamos para a sede da COOPATERRA, às 12h30, para o almoço cujo cardápio foi: feijão, arroz, verduras (ora-pro-nobis e taioba), aipim, batata doce, ovos cozidos e limonada.

Por volta das 14h, retornamos as atividades para esse segundo momento da visita com os seguintes pontos de pauta:
· Informes da Rede
· Encaminhamentos da visita anterior mutirões/vivência
· Bioconstrução
· Apresentação do Projeto Um Litro de Luz
· Feira

Nesta segunda roda de conversa contamos com a presença da(o)s assentadxs Juliana, Bianca, Mariana, Mirians, Marilza, Bia, Cosme e Daniel. Foram dados alguns informes sobre as ações de solidariedade que a Rede Ecológica está buscando desenvolver junto a outros países. Foi mencionada o apoio da ONG AMAR neste sentido. As mobilizações nacionais e internacionais em respostas aos ataques e descasos referentes ao Quilombo do Campo Grande, Feira Estadual da Reforma Agrária e outros. Feito esses informes, aproveitamos para apresentar a doação do Jornal Mural, confeccionado pela Rede, com algumas notícia das ações vitoriosas do movimento, como a proibição da pulverização aérea no Ceará, parcerias acadêmicas com o movimento e editais públicos. O jornal ficará na sede da COOPATERRA com a finalidade de ser socializado com os demais assentados.

Ainda dentro desse ponto, foi solicitado um retorno do movimento acerca de algumas questões que as lideranças ficaram de encaminhar junto aos demais assentados. Os pontos eram referentes aos mutirões/vivências e outras possíveis ações de solidariedade. Sobre esse isso, nos foi informado que não houve nenhuma conversa ou definição referente a essas questões. Contudo, havia um entendimento de que as ações de mutirões ou vivências deveriam ter como foco principal os projetos coletivos. Sinalizaram que a maior dificuldade para definirem mais rapidamente a questão, deve-se ao fato de os voluntários terem disposição, mas nem sempre possuem habilidades em suas maiores demandas cotidianas, como pedreiro, ladrilheiro, eletricista, etc. Ficaram de apresentar algumas possibilidades na próxima visita.

Sobre o ponto referente à bioconstrução, foi sugerido que a conversa fosse iniciada pelas mulheres do assentamento, a partir de suas avaliações e experiências com a técnica. Essa troca se deu inicialmente com o relato da vivência de Juliana durante o processo de construção de sua pequena casa de pau a pique Segundo ela, foi bastante desgastante relativamente a vários aspectos. Primeiro, porque as faltas das condições materiais se sobrepuseram aos princípios da sustentabilidade. Já na feitura da fundação da casa, teve que enfrentar a dificuldade com a água que jorrava do solo com pouca profundidade. Outro empecilho foi a inexistência de barro no assentamento, levando a compra do barro dos areais que estão destruindo o local. Houve problemas para a retirada de bambu (que ainda tem baixa qualidade para construção), o que demandou grande esforço por parte de várias pessoas, e faltou um transporte além do animal, o que dificultou muito sua obra.

Finalizou sua saga, contando que no forte temporal recente a força do vento quase derrubou sua construção! Por esse motivo avalia que essa tecnologia não é viável para a realidade local. Ficou evidente, com poucas diferenças nas avaliações de quase todas as mulheres, de que é fundamental levar em consideração a realidade local; a importância de se pesquisar se algumas orientações técnicas compatíveis e aplicáveis em todas as realidades. Constatam que sentem falta de conhecimento nestas novas tecnologias para concluir ou fazer manutenção destas construções. Em Terra Prometida tem muito sapê, mas falta gente com conhecimento para usar na construção. Mariana apontou a importância da bioconstrução e ressaltou que as pessoas que por ventura vierem para ajudar nos mutirões das casas, deverão vir desarmadas, totalmente dispostas para o trabalho, imbuídos somente pelo espírito de solidariedade.

Tem a experiência das irmãs gêmeas Miriam e Miria que possuem uma máquina e produzem tijolos prensados para uso em áreas internas, inclusive já deram oficinas junto a Aldeia Maracanã.

Sobre o tema, Cosme apresenta suas considerações em relação a falta de aplicabilidade da bioconstrução para o assentamento e reafirma que toda e qualquer iniciativa de mutirão e ajuda, não pode ser em torno dos projetos pessoais, buscando técnicas conhecidas que facilitem o trabalho coletivo. Bia e Juliana destacaram o esforço enorme para a biocon

strução, em situação de urgência para morar, porque deixaram de lado o plantio. Os custos da bioconstrução são altos também: com poucos recursos, os assentados precisam escolher entre a bomba sapo e mangueira para produção ou a moradia. É necessário refletir sobre a construção das moradias no cotidiano do agricultor! A construção é importante, mas na realidade o processo é difícil. Foi falado muito de observar as condições ambientais e o conhecimento local para novas construções, os antigos sempre construíram no alto para evitar áreas alagáveis e destacam que o telhado precisa de cumeeira e ser bem amarrado por causa dos ventos fortes.

É preciso vencer o desafio de moradia no assentamento! Se não conseguir morar, os produtores não avançam no processo produtivo, porém precisa inserir o processo de construção no processo produtivo. A organização dos mutirões é trabalhosa!!! E é essencial ouvir os mais antigos e quem vive no assentamento antes de propor algo. A demanda de fora para dentro não dá certo, no final todos se frustram.

Sandra Kokudai, arquiteta, há muitos anos envolvida na habitação popular, se colocou à disposição em contribuir na organização de uma ajuda direta ao Terra Prometida em relação a moradia, talvez junto ao ITERJ. Integra o coletivo de arquitetos que vai assessorar projeto de econstrução da es

cola estadual do MST em Macaé, pensando projeto de moradia rural através do edital do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo).

Vencido o debate sobre a bioconstrução, o grupo representante da ONG Um Litro de Luz assumiu a palavra na roda de conversa, apresentando em linhas gerais a ONG e regiões onde atua. De acordo com que nos foi mostrado, este grupo tem por finalidade apresentar soluções para as demandas de falta de energia elétrica, usando tecnologia e financiamento próprio para o desenvolvimento do projeto que tem por critério a utilização de tubos de PVC, uma bateria de carro, uma garrafa pet e uma placa de luz solar. A única exigência, para efetivação do projeto é a participação efetiva da comunidade. Após as explicações houve perguntas e trocas de contatos para novos diálogos sobre a questão, tendo em vista, que essa é uma grande necessidade do assentamento.

Por último, foi a vez da APAC apresentar o andamento das questões operacionais referentes ao projeto de parceria para fabricação de tijolos. De acordo com Ítalo, estão somando ativos para compra do maquinário necessário para a fabricação dos blocos de cimento. Ítalo reafirmou que o Terra Prometida, Quatis e Roseli Nunes são os escolhidos para serem parceiros da APAC.

Nossa roda de conversa foi finalizada por volta das 16 h. Em seguida teve início a feirinha organizada por Juliana que expôs os seguintes produtos: batata doce, quiabo, limão, berinjela, banana e ovos, mudas de ervas, taioba, broto de bambu, doces caseiros e shampoo. Os preços dos produtos variavam em torno de 5 reais. É importante ressaltar que os produtos foram praticamente todos vendidos

Os resultados dos questionários preenchidos pelos visitantes apontaram que todo conhecimento que tiveram sobre a trajetória de luta e dinâmica da vida no assentamento foi uma excelente experiência!

Veja o relato da 1a visita ao Terra Prometida aqui.