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Relato da 3a visita ao Assentamento Terra Prometida (17-03-2019)

Preparação, organização do transporte e chegada ao local

Organização: núcleo Botafogo (Maria Accioly e Eva Arary Ferreira)

Éramos 25 pessoas confirmadas para a visita, mas 5 acabaram desistindo (todas por motivos de saúde!) na véspera ou no próprio dia. Conseguimos substituir 1 pessoa (que havia avisado da condição de saúde com 2 dias de antecedência), então fomos ao todo 21, sendo que 12 eram participantes da Rede Ecológica (7 de Botafogo, 2 de Campo Grande, 2 de Santa Teresa e 1 da Urca).

O transporte foi realizado em uma van e dois carros próprios (de Maria/Inês e Haydée e Cristiano). Saímos do metrô de Botafogo às 7h50, embora tivéssemos marcado o encontro entre 7h e 7h30, mas duas pessoas se atrasaram. Ainda assim, chegamos às 9h em ponto ao assentamento, sendo que a van se desviou do caminho uns 10 minutos para entrar em Duque de Caxias e pegar um casal que morava em São João de Meriti. O motorista conhecia o caminho até a entrada da estrada de terra, então fizemos o caminho sem dificuldade, sem nenhum erro.

No assentamento fomos recebidos inicialmente por Daniel, Juliana, Bianca, Sônia, Socorro e “Tiozinho”. Bianca sugeriu uma dinâmica de apresentação de cada um. O café atrasou um pouco porque o fogão novo não havia chegado a tempo, então Juliana começou a explicar um pouco sobre a história do assentamento e sobre os vizinhos do areal. Ressaltou que o solo lá é bom para raízes (conhecemos sua excelente mandioca), mas que esse ano vão experimentar arroz (tentando aproveitar os alagamentos) e vão plantar também bastante feijão.

Café da manhã

Por volta das 9h30 foi servido o café, incluindo milho verde (produção local – do Alberto), bolo de aipim com coco (feito pela Shirley), leite, café e manteiga (tudo delicioso!). Após provar o bolo de aipim com côco, pessoas que não haviam encomendado queriam pedir, mas não havia como, pois Shirley os havia preparado na própria manhã cedinho, a partir dos pedidos.

Caminhada / visita ao lote de um agricultor específico:

Fomos então visitar o lote de Luzia e Levi (que moram com duas filhas). Estava um dia bem quente e o espaço com sombra era pequeno. Sentimos falta de avisar aos participantes para levarem pro assentamento guarda-chuva, que serve também como guarda-sol.

A casa era bem pequena, uns três cômodos feitos de uma armação de madeira com paredes de lona azul e cobertos com telha de amianto – uma condição extremamente simples. Fomos recebidos por eles com um delicioso suco de chaya e limão, além de um lindo sorriso, acolhimento e generosidade. A chaya é excelente para colesterol, diabete, sistema endócrino, desnutrição, carência de ferro, fósforo e potássio. O limão junto com a chaya potencializa o efeito. A chaya batida pode ficar congelada que não perde a propriedade.

Daniel explicou que Luzia estava há mais de 10 anos esperando um lote, e que está lá há apenas um ano (vinda do assentamento Osvaldo de Oliveira, em Macaé), quando houve uma reocupação de alguns lotes que estavam em desuso (abandonados ou o ocupante faleceu). O lote pertencia à irmã do Daniel. Luzia contou que houve conflito por seu uso (um outro assentado, que já possui um lote em São Bernardino, Vila de Cava, queria o terreno), e nos chamou a atenção como ela conseguiu resolver tudo bastante pacificamente.

Com os olhos brilhando, Luzia contou que sempre quis plantar sem agrotóxicos. Ela planta abóbora, melancia, feijão, milho, e já fornece para a Rede berinjela, jiló, melancia, chaya e aipim. A produção é tocada por ela, e seu marido ajuda somente no final de semana, pois trabalha fora. O assentamento de fato tem a tradição de ter muitas mulheres à frente dos trabalhos (por exemplo, Bianca é dirigente estadual e está responsável por cuidar de assuntos de saúde e educação; Juliana está responsável por organizar a produção).

Conhecemos suas plantações e seu galinheiro, sendo que o último faz parte do Programa de Agricultura Integrada e Sustentável (PAIS) que chegou via Danone, com uma parceria com o SEBRAE. Eles cadastram as famílias e chegam com a estrutura para criação de galinhas e três canteiros de 30 metros. O projeto visa a preservar a qualidade da água no local e certifica o lote. Também foi falado um pouco sobre o Projeto Rio Rural.

Por fim fomos conhecer também o lote de Shirley (filha de Luzia) e Nildo, que tem uma estrutura um pouco melhor e um outro galinheiro.

Almoço:

Voltamos para a sede da cooperativa já às 13h45 para almoçar (pareceu importante haver essa flexibilidade da programação, mas talvez colocar um pouco mais de limite de tempo seja bom).
Foram servidos arroz integral com cenoura, feijão vermelho, ovos mexidos, frango caipira, ora pro nobis refogada e purê de aipim (tudo produção local), o que atendeu bem inclusive aos vegetarianos e veganos.

Roda de conversa:

Juliana e Bianca nos contaram que nas visitas anteriores falou-se principalmente sobre formas de fortalecer a interação com os visitantes/consumidores/parceiros. O assentamento ficou de divulgar para a Rede e demais interessados um cronograma de atividades – vão recomeçar depois da época de mais chuvas. Juliana disse que na 3a e 4a f daquela mesma semana (19 e 20-03) haveria mutirões de obra pra botar o piso da cozinha e para preparar o imposto de renda da cooperativa – mas ficou meio em cima da hora para as pessoas se organizarem.

Algumas pessoas perguntaram sobre a possibilidade de vivências mais longas (Juliana e Bianca esclareceram que havia esse plano, e que a experiência deveria durar pelo menos 1 semana; se não, não poderia ser chamada de “vivência”). Duas visitantes já demonstraram interesse em participar de tais vivências.

Uma visitante perguntou sobre práticas culturais no assentamento, e nos contaram da festa junina já tradicional (Arraiá da Coopaterra). Mas também ressaltaram que hoje são poucas pessoas fazendo muito trabalho, então infelizmente não tem havido muito tempo para investir nos coletivos de cultura…

Falamos um pouco sobre o Encontro Estadual dos Sem Terrinha, que foi criminalizado em matéria da Record. Assentados contaram que as crianças foram no MAM, no Museu do amanhã, no Cap da ufrj…, e que existe uma campanha de arrecadação para arrecadar fundos pra isso. Uma das coisas que eles precisarão fazer é mudar o parquinho de lugar, por conta de algum conflito de lotes.

Falamos um pouco sobre a educação das crianças do assentamento, que estudam na EM próxima. Mas adultos também têm possibilidade de receber mais conhecimentos. Luzia, por exemplo, foi alfabetizada recentemente pelo coletivo do MST, e virou poetisa. Falaram de formação profissional de assentados, em parcerias da Florestan Fernandes com universidades. Antes da Florestan, a 1a instituição formal do MST é o Iterra.

A partir de uma pergunta de Marta (pesquisadora na área) conversamos um pouco sobre como assentados conseguem fazer tanto praticamente sem recursos, e ficou claro que existe uma dedicação e um compromisso extremos. A precariedade é realmente gritante, devido à falta de cumprimento dos compromissos governamentais com o assentamento. Por exemplo, eles só receberam o chamado “crédito inicial” (5 mil) há pouco tempo (12 anos depois da fundação do assentamento no local). E a eletricidade é puxada com gatos (não havia outra saída, não foram fazer as instalações necessárias para que eles pudessem ter uma conta).

No que se refere às interações do assentamento com a sociedade, Juliana e Bianca nos contaram que, além das visitas mensais da Rede que começaram este ano, há cerca de 2 anos ocorrem visitas de universidades e estudantes de ensino médio (p ex CEAT) ao assentamento (não muito frequentes). Um visitante (Vinicius) ofereceu fazer contato com o dirigente do Pedro II de Caxias para ver se haveria interesse em visitar. Já houve também parcerias com a AMAR (associação de pesquisadores franceses), que forneceu recursos para a construção da cozinha. Ao lado da sede do assentamento existe ainda uma casa de sementes que foi construída com recursos solidários – e que eles estão pensando em transformar em um centro holístico, já que alguns assentados trabalham com terapias alternativas.

A partir da reflexão sobre o quanto as visitas da Rede Ecológica podem ajudar o assentamento, e notando que algumas pessoas acabaram deixando mais dinheiro como contribuição espontânea, foi sugerido à Juliana que o valor de R$ 30 fosse um valor solidário, mas que poderia haver um valor mais alto para quem pudesse pagar (cabe lembrar que na cidade com frequência gastamos 50 reais ou mais em apenas um jantar).

Uma visitante sugeriu o uso de redes internacionais ligadas a Ongs ou plataformas independentes (p. Ex. WOOF) para receber mais pessoas no assentamento. Levantou-se a questão de se oferecer certos tipos de serviços/vivências poderia descaracterizar o MST, pois é preciso manter um objetivo político-pedagógico. Outra visitante ressaltou que as vivências no assentamento poderiam servir como arma na guerra ideológica da mídia, talvez especialmente para jovens de classe média. Para receber mais pessoas, falou-se da importância de ter um camping com banheiro (pode-se programar mutirões para construir).

Ao fim da roda de conversa, espontaneamente surgiu uma narrativa através da qual conhecemos a história de Socorro, que já estava no local quando o MST chegou (está lá há 37 anos!). Socorro era caseira da fazenda e era maltratada pelo patrão, que não a deixava nem receber a família. Ela narrou que, quando o MST chegou, pensou que seria expulsa, mas eles a integraram e hoje ela é cooperada. Foi interessante e comovente, mas também chamou a atenção o fato de que a fala de Socorro era bastante impregnada de consumismo (como seu padrão de vida melhorou, ela dizia por exemplo que “não gostava de repetir roupa”…).

Feirinha

A conversa acabou sendo “interrompida” um pouco antes do previsto para que os visitantes fizessem novos pedidos para a feira, e a partir dali a própria feira já se instalou naturalmente. As pessoas acabam querendo mais coisas do que estavam ali disponíveis, e os agricultores iam tentando buscar. Parece que sobraram apenas algumas poucas dúzias de banana-maçã.

Ficou a impressão de que o pessoal do assentamento poderia talvez passar com um pouco mais de antecedência quais são os produtos disponíveis para a feirinha, para que possamos fazer os pedidos dos visitantes com mais calma (achávamos que era como uma feirinha mesmo, que eles levariam uma produção abundante para a sede da cooperativa, mas de fato para eles deve ser melhor já saber de antemão o que será vendido). Fazer pedidos com antecedência é especialmente útil para a venda de produtos como o bolo de aipim com coco, feito no mesmo dia de manhã. Mas o fato é que, se os assentados levam mais coisas do que foi pedido, essas coisas tendem a ser vendidas… Muita gente ficou pedindo mais coisas na hora da feirinha, então talvez valesse a pena eles levarem sobrando.

Sentimos falta de avisar aos participantes para levarem sacolas de compras.

Ao final, voltamos rapidamente para a roda, que foi fechada com uma dinâmica indígena proposta por Juliana. Todos pareciam muito satisfeitos e com “gostinho de quero mais”.

Avaliação dos visitantes

Dos 9 respondentes do formulário de avaliação (acabamos não passando o formulário impresso no dia, então fizemos depois um formulário online), 2/3 estavam visitando um assentamento pela primeira vez. Ainda assim, todos pareciam previamente simpatizantes à causa.

À questão “Seu entendimento sobre o MST depois da visita é”, os participantes responderam que “continuava o mesmo”, que se tornou “mais profundo”, “mais positivo ainda”, ou, similarmente, que “o respeito pelo movimento é ainda maior após a visita”. Outros disseram que “conheceram mais os casos específicos desse assentamento”, que “viram de perto toda a preocupação com a questão agroecológica”, que “ganharam maior entendimento das dificuldades e entraves”. Falaram também que “ficaram muito impactados com a falta de condições básicas, a precariedade das moradias, e, por outro lado, a satisfação dos assentados por terem condições de plantar, o amor à terra, os relatos…” e que “se tornou evidente o caráter altamente político de todos os participantes, o entendimento do modelo social que vivemos por essas pessoas”.

Os respondentes avaliaram a visita muito positivamente (à pergunta “Suas expectativas na visita foram atendidas?” todos marcaram a opção “Sim, muito além do que eu esperava” ou “Sim, na medida certa”).

Algumas sugestões específicas dadas pelos visitantes:

Combinar visitas com mutirão ou aproveitar as vans para transportar materiais e coisas importantes para a comunidade.
Levar livros, doações – interessante divulgar.
Se possível, que haja mais visitas a lote de agricultores.
Ampliar, na medida do possível, o programa de visitas e vivências, levando mais pessoas aos assentamentos. Penso que é uma maneira eficaz de enfrentar os incessantes ataques midiáticos contra o movimento.