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Audiência Pública - O Trabalho nas Áreas de Proteção Ambiental do Alto Iguaçu

No dia 10 de maio aconteceu a audiência pública relativa a situação do assentamento Terra Prometida, como parte das ações relativas a preservação ambiental da área do Rio Iguaçu, onde ele está inserido. Abaixo segue o texto que Miriam Langenbach apresentou nesta data. Mas o relato mais completo da audiência seguirá em breve. O texto foi entregue à deputada estadual Monica Francisco, presidente da Comissão de Trabalho e Renda, e que atendendo ao pedido do assentamento, convidou a Rede Ecológica.

A Rede Ecológica como movimento de aproximadamente 230-consumidores, existe há 18 anos no Rio de Janeiro e arredores através de 10 núcleos espalhados (zona sul, zona norte, oeste, na baixada em São João de Meriti, Caxias e nova Iguaçu), e Niterói. Seu objetivo está relacionado à economia solidária no sentido da realização de compras coletivas, buscando produtos agroecológicos de pequenos produtores locais. As compras acontecem em relação a produtos frescos e uma vez ao mês, de produtos não perecíveis, possibilitando um abastecimento muito completo de nossas refeições, tendo como consequência a retirada dos supermercados.

Ao longo destes 18 anos, os coletivos de agricultores familiares e assentamentos foram percebidos como espaços a serem priorizados, na medida em que representam do modo mais fiel e completo um compromisso com uma caminhada pela segurança e soberania alimentar, de desenvolvimento de territórios preservados ambientalmente e conectados à reforma agrária.

Fomos ao longo deste tempo, preocupando-nos em autogerirmos nossos núcleos e nossa organização como um todo, tendo a solidariedade como um principio muito importante. A participação de cada associado é algo necessário e presente em todas as nossas ações, que possibilitaram realizar as compras coletivas – que obedecem a uma logística o mais simples possível, mas complexa mesmo assim. E até ir além das compras coletivas, chegando mais perto de nossos agricultores, que deixam de ser fornecedores.

Ampliando o leque, participamos de instituições e movimentos como o Conselho de segurança alimentar do Rio de Janeiro, da Rede Carioca de agricultura urbana, da Campanha contra os Agrotóxicos entre outros. Temos um compromisso profundo com a questão ambiental, e buscamos em nossas atividades priorizar os 3Rs – consumir o necessário, não desperdiçando, reaproveitar ao máximo e reciclar fora o lixo orgânico, o mínimo possível, já que este processo envolve nova poluição.

Está então em jogo uma nova cultura que se contrapõe ao que está sendo oferecido pelo sistema capitalista hegemônico.

Em harmonia com nossos princípios que acreditam na reforma agrária como elemento de justiça social, temos acompanhado o MST e seu compromisso com a democratização do acesso à terra para as pessoas que dela queiram viver. A preocupação com o cumprimento da função social da terra, que passa tanto por um uso que possibilita viver dela, quanto respeitar o meio ambiente. Em relação a produção de alimentos fomos percebendo a importância do MST como um movimento que desde o final da década de 80 colocou como seu foco a produção de alimentos saudáveis que respeitam o meio ambiente garantindo terra à uma população sem perspectivas.

Nossa experiência mais antiga junto a assentamentos é com o assentamento Terra prometida, que já acontece desde 2011, a partir da Feira Estadual da Reforma Agrária. Ao longo destes anos, percebemos nos nossos agricultores sua garra, persistência, tentando construir uma produção agroecológica de alta qualidade. Como grandes obstáculos, a ausência do poder publico, apesar de promessas, vivendo o coletivo em condições muito difíceis no que se refere a acesso à água, energia, estradas, habitação, transporte, inclusive publico. Estas questões não conseguem ser resolvidas.

Entre os problemas, a questão dos areais, um crime ambiental se coloca como grande obstáculo na caminhada. Algo nos últimos anos minimamente tolerado, mas que agora está sendo enfrentado com muita coragem. Desde há um ano o grupo partiu para a substituição de assentados em lotes que foram utilizados para aluguel para extração de areais. Agora esta ação que acabou de acontecer de ocupação do espaço de entrada para o assentamento que seria ocupado pela exploração de um areal.

Impressiona a organização, articulação e a fibra em enfrentar esta situação, tentando preservar sua produção e o território.

Apesar destes obstáculos, vimos de perto sua constante busca de aperfeiçoamento – na construção de uma casa de sementes, de uma agrofloresta – nem todos os projetos puderam ser mantidos – na organização da cooperativa – a COOPATERRA -, e na construção de sua sede, no parquinho para as crianças. Tudo sempre com muito esforço, no coletivo, na garra, e junto com outros grupos simpatizantes.

Nosso papel tem sido acompanhar os esforços, com alguma presença, com algum dinheiro além das próprias compras que temos realizado sistematicamente.

Um destaque são os alimentos que nos encaminham, e que poderiam ainda ser mais diversificados, caso houvesse mais apoio. Alimentos de excelente qualidade. Assim contribuem para a segurança alimentar das famílias que ali vivem, além da nossa. O preparo de alimentos também tem sido um foco desenvolvido pelo assentamento, que tem se aperfeiçoado cada vez mais no preparo de refeições com seus alimentos, o que se tornou um fator de atração e de renda. Outro grande potencial a ser desenvolvido.

Entre os alimentos vale destacar o aipim comum e amarelo, de primeira – eles trouxeram a bagagem do aipim de santa Cruz, onde ficaram assentados durante anos. Encaminham com casca, descascados, ralados, palitos -, a batata doce roxa, branca, cenoura, os limões galegos, o feijão de corda, milho, cará, as laranjas de vários tipos, as bananas saborosíssimas, a cana, tangerinas, jacas, jenipapo, pimentas etc. num leque muito diversificado e de excelente qualidade. Muitos destes produtos não se pode encontrar nos supermercados, proporcionando alimentos importantes no nosso cardápio, comida de verdade, e nos afastando dos processados encaminhados pelo sistema. Também há uma grande diversidade de plantas medicinais que envolvem um conhecimento tradicional.

A contribuição nossa tem a ver a busca de um constante diálogo, que ajudou a organização para a comercialização. Fato é que além de nos abastecer semanalmente, também estão numa feirinha em Caxias, na qual deverá se organizar a compra de frescos para os núcleos da Rede na baixada, Caxias e são João. Estes núcleos são recentes, e tem exatamente a ver com um programa desenvolvido pela Rede Ecológica nos últimos 3 anos na baixada – Campo e Cidade dando as mãos na baixada -, que buscou tanto mapear agricultores, quanto fomentar surgimento de novos núcleos de consumidores, colocando em contato os consumidores da baixada, que estão perto de agricultores que ainda existem em numero significativo na região produzindo alimentos de qualidade.

Antes de finalizar, gostaríamos de comentar uma nova contribuição que a Rede está desenvolvendo junto ao assentamento: todos os meses, num domingo, um dos núcleos organiza uma visita ao assentamento, com integrantes da Rede e pessoas de uma longa lista de espera, interessadas em conhecer melhor esta realidade – e se passa por um processo de visita a um sitio, café e almoço preparados pelos assentados, uma roda de conversa em que são compartilhadas tanto a realidade do assentamento quanto questão mais amplas vividas pelo MST trazidas pela Rede Ecológica, terminando com a venda de produtos anteriormente encomendados. Tem sido um sucesso, e o assentamento está sentindo na prática nossa presença e disponibilidade, e nós também estamos chegando muito mais perto.

Detalhamos um pouco nosso funcionamento, para destacar a importância da organização de coletivos de consumidores e agricultores trabalhando juntos, e que supõe um tipo de interação que vá além da compra, em que se possa discutir visão de mundo, problemas e soluções, fazer amizades, ver um campo belíssimo sendo preservado e fértil – um grande presente.

Gratidão, Terra prometida!

Rede Ecológica,
Rio de Janeiro, 10 de maio de 2019