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Rede Ecológica: uma escola?

Rede Ecológica: uma escola?
Miriam Langenbach

Ao pensarmos sobre a Rede Ecológica, que completa em 2019, dezoito anos de vida, vamos nos dando conta, de como sua proposta tem uma forte conotação de escola, entendida como discreta formação cotidiana, sem aulas explicitas , diplomas, títulos. Sua formação tem muito a ver com as mudanças culturais que nossa proposta supõe e solicita.

O alimento é cultura – então a cultura do alimento saudável, produzido em condições justas e saudáveis -, esta seria uma das palavras de ordem de uma contracultura. Ela se remete diretamente aos pequenos produtores, e aos movimentos do campo, porque eles estão batalhando por condições justas e estáveis para permanecerem no campo. Ao serem coletivos – tanto os consumidores quanto os produtores, que tb são consumidores – a união de campo e cidade consegue se dar de uma forma coerente e sólida. Este processo tem uma forte conotação de educação politica.

Cada lado tem sua contribuição mais significativa: os produtores no sentido de plantar e colher agroecologicamente, cuidar do meio ambiente que os cerca de múltiplas formas, lutando por justiça social e se organizando como movimento . Nós urbanos, temos acesso a conhecimentos e tecnologias que são as vezes distantes aos produtores. Ao coloca-las a serviço da temática do alimento e consequentemente a serviço dos produtores, cria-se uma troca solidária e rica com o campo, que nos garante qualidade de vida.

Um ingrediente fundamental na Rede Ecológica, é o caráter autogestionário, viabilizado pela vida em núcleo, pela participação em comissões, pelas decisões tomadas em conjunto através da comissão gestora. Os coletivos são reforçados, coletivos que dialoguem, trocando muita experiencia de várias formas. como já foi dito, muitas vezes de forma informal, ao redor do preparo do próprio alimento, das alternativas que existem.

Neste momento saímos do consumo como ato extremamente individual e de massas, para um outro patamar. Isto significa uma mudança de mentalidade, porque o consumo na sociedade capitalista é percebido como o ultimo reduto em que as pessoas seriam “cuidadas”, onde elas seriam servidas, nem que anonimamente.
Assumir que temos que fazer por nós mesmos, entendermos o complexo circuito ao redor dos produtos, e dele conseguir um controle é algo muito inovador.Se quisermos mudar de uma forma mais profunda e coerente nosso consumo, terá que se buscar o máximo de autonomia e transparência. Este é um divisor de águas com o consumo como é praticado em geral.

Outro aspecto de nossa cultura predominante, tem a ver com o ritmo alucinado que os consumidores vivem, em que rapidez e praticidade se tornam pré-requisitos básicos para muitos, na definição de compra. Nosso caminho é uma proposta slow, e aderir a ela significa muita coisa.. Assim questões como presença física, planejamento,fidelidade, compartilhamento das questões fazem parte de nosso dia a dia. Um novo aprendizado acontece, que. rompe com o paradigma da rapidez e praticidade.

Desde o incio a Rede Ecológica despertou em várias pessoas o desejo de fazer acontecer. Vários outros, não, Entendiam estar comprando como a contrapartida suficiente. Mas nitidamente ao longo dos 18 anos de vida,os associados da rede Ecológica foram aumentando sua participação, que atualmente é majoritária. se adaptando as possibilidades, talentos, e necessidades que se colocam. Para muitos a Rede vira uma cachaça, são apaixonados pelas questões nas quais colaboram e nas quais sentem que sua mão teve uma importância enorme.

Assim fomos avançando, ao longo deste tempo, trabalhando em 4 áreas diferenciadas: as compras propriamente ditas (encomendas, logística, finanças etc.); interação com os produtores; formação e comunicação;movimentos sociais. Isto acaba configurando um mosaico de ações diferentes e complementares.

Para se entrar nesta cultura de participação, o grupo é fundamental , pequenos grupos que são os núcleos, em que as pessoas estão juntas para buscar seus produtos e por aí se encontram sistematicamente, descobrem as múltiplas afinidades, trocam, se apoiam. A autogestão vai acontecendo por aí. Pequenos grupos que são as comissões vão fazendo desabrochar ou não certas ações e temas.
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A interação mais próxima com os produtores é uma das questões fundamentais. assim, tem sido crescente a interação com o MST, que tem dado provas de um esforço hercúleo de se organizar, produzindo alimentos saudáveis em todos os cantos do país, revertendo sua imagem de invasores, e bandidos. É visível que sua adesão à temática do alimento saudável, sua luta contra os agrotóxicos, tem criado cada vez mais adesão a este movimento social.

Importante citar 2 ações do ano de 2019, ano especialmente difícil com o governo que temos, e de grande ameaça para o MST.
As 2 ações:
Visita mensal ao assentamento Terra Prometida, organizada por cada núcleo uma vez ao ano (somos 10 núcleos).
Coleta para a compra de um pequeno caminhão para a cooperativa Alaide Reis, no sul fluminense.
Estes tipos de iniciativa vão nos modificando e ensinando sobre a vida dos assentados, seus desafios e dificuldades, nos animando a cerrar fileiras para que se consigam soluções.
e aí acaba-se mexendo com um elo central do sistema capitalista, que tem a ver com o modo como usamos nosso dinheiro. Entregue a bancos, voltados para a exploração ou parasitismo, que é nossa referência básica. Ou ousamos e apostamos numa perspectiva de economia solidária, fazendo o dinheiro circular e frutificar?

Mas gostaríamos ainda de abordar um outro aspecto, que envolve mudanças de hábitos, e consequentemente mudanças culturais. Falamos do alimento como cultura, e o que concretamente cerca o alimento como fica? Como ficam as embalagens? Como sair da cultura do plastico? Isto também é educação e cultura.
Nosso século se caracteriza pela cultura da obsolescência planejada, pelo descarte programado para promover sempre novo consumo visto como mais interessante, mais inovador, sem maiores preocupações com suas consequências.

Desconstruir esta visão nos mais diferentes aspectos, é uma prioridade nossa. Por exemplo, em relação ao alimento limpo, o que verificamos é que ele novamente se contamina, se polui. ao ser embalado de um modo que envolve ingredientes químicos tóxicos.
O reaproveitamento é uma questão trabalhada pela Rede desde seu inicio, A sacola de pano ou palha para buscar, os produtos frescos que chegam a granel. Os vasilhames de vidro passaram a ser reaproveitados por outros produtores. Paulatinamente o assunto foi crescendo e uma comissão se formou há aproximadamente 2 anos, que deseja ir além. começar a pensar produtos como nossos queijos que vem em embalagens plasticas, e a partir do reuso de vidros, possibilitar uma enorme redução da presença do plastico.

Todas estas iniciativas dão à Rede um colorido especial, em que aprendemos muito. Será que concordaríamos que é uma escola? Somos um grupo relativamente pequeno, mas que é fonte de inspiração, especialmente por estas práticas que são “diferentes” das convencionais, buscando inovar, criar e despertar para os cuidados necessários com nosso planeta.