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Nossa roda de conversa foi muito produtiva!

A Roda de Conversa: Experiências e Desafios para a Comida de Verdade e Soberania Alimentar nas Periferias; Qual o Papel da Cozinha? iniciou com Denise Gonçalves fazendo uma breve apresentação da Rede Ecológica e agradeceu aos vários parceiros. Com destaque à As-pta, e a colaboração de Luisa Mushu, com o apoio técnico.

A seguir situa a COMIDA DE VERDADE, seu conceito: A comida de verdade se contrapõe à comida industrializada, que vem junto com a industrialização. Quando iniciou, tinha como preocupação melhorar a conservação dos alimentos. Foi uma época em que a eletricidade era incipiente, e o transporte também trazia grandes desafios. Com o decorrer do processo a comida se tornou mais e mais industrializada, o que equivalia a uma comida artificial, com muita química, corantes, aromatizantes, ingredientes nocivos à saúde. Traz uma perda da sensibilidade do gosto, e também a conexão com a natureza. Ao mesmo tempo esta industrialização é muito valorizada pela propaganda, e teve, até recentemente muito sucesso. Acabou afastando as pessoas da cozinha, do ato de cozinhar.Isto se deve a falta de tempo típica da vida contemporânea , quando as mulheres passam a trabalhar e muito.Houve um prejuízo para a saúde e  o meio ambiente. A comida industrializada não tem critérios, ela é artificial, não segue o ritmo da natureza. Ulrimamente começou a haver uma preocupação com a saúde, dai surgiram várias dietas, com bastante controvérsia. Pessoas acham que estão cuidando da saúde, e estão usando produtos industrializados, tipo a barrinha, o iogurte do supermercado.

A comida de verdade significa resgatar a comida antes da industrialização, a comida feita em casa, com cuidado, com carinho com ingredientes frescos, sem veneno. Falar de sustentabilidade é uma palavra para falar de uma realidade de antigamente, da tradição, que era sustentável. A comida de verdade vai desde a maneira de produzir os insumos que vão para a cozinha, sem veneno, frescos e da época, da agricultura familiar, e passa também pela maneira de se preparar a comida, com carinho, prazer, fazendo descobertas de sabores,  dividindo com pessoas que estão a nossa volta. Este conceito supõe a agricultura familiar, a economia solidária, quando se compra direto do pequeno produtor. Isto a Rede Ecológica faz e outros grupos de compras diretas, isto é, as pessoas suprem deste modo suas necessidades de comida. E com isto se consegue sair dos supermercados, em que se oferece de modo predominante   produtos industrializados. Quando as pessoas saírem dos supermercados vamos ver mudanças muito grandes.

A seguir Bibi Cintrão: O principal objetivo desta roda de conversa é fazer uma troca de experiencias. No caso, refletir sobre o que está acontecendo  na Campanha Campo e Favela de mãos dadas contra o Corona e a Fome, pensando nos desafios e aprendizados. Importante que não sejam compras assistencialistas, a Rede nunca trabalhou com isto. Para ir além do assistencialismo, vai ter que se pensar a cozinha e o cozinhar, para chegarmos onde queremos.

Quando a pandemia iniciou, tínhamos um primeiro desafio: continuariamos a ter acesso a nossas cestas semanais para produtos frescos, e uma vez ao mês para produtos perecíveis? Eu praticamente sai do supermercado e tenho muito orgulho de dizer que 90% do que compro e do que gasto vem da Rede.Sei de onde vem meu alimento, e para onde o dinheiro está indo.

Neste inicio, quando as feiras foram fechadas, só se garantindo os supermercados, na Rede tivemos uma grande mobilização que levou à definição de que continuaríamos com as compras e entregas. Temos um compromisso com nossos produtores, eles plantaram e não dá para jogar fora o alimento. Estes dois compromissos fizeram com que mantivéssemos as entregas.Ao mesmo tempo a Rede viu a oportunidade de organizar uma campanha em parte para colaborar com nossos agricultores, mas também com pessoas que estão precisando de comida. A pandemia trouxe a fome.

Esta experiência da campanha só foi possível porque em 2017 a Rede tinha um pequeno fundo e fez uma campanha interna com os associada(o)s, criando o Programa Campo e Cidade se dando as mãos na baixada fluminense. Nossa(o)s associada(o)s são em torno de 200 familias, a maior parte de classe média. E nós temos um sonho antigo de ter grupos populares de consumo . Gostariamos muito que esta comida de verdade chegasse aos grupos populares. Fazendo a relação direta, isto barateia o custo e torna acessível esta comida para as periferias. Como na baixada tem muitos assentamentos da reforma agrária , próximos às periferias. Assim pensamos em aproximar núcleos populares dos agricultores, em compra direta. especialmente nestes tempos de perseguição.

No contexto desta experiência do Programa Campo e Cidade dando as mãos na baixada, criamos uma comissão de cozinha. Esta experiencia permitiu que agora rapidamente conseguíssemos entrar para esta Campanha. Nós já tínhamos antes, no ano de 2019 feito uma campanha para aquisição de um caminhão para um coletivo de assentamentos na regiaõ sul do estado. Criamos um fundo rotativo, com arrecadações dos próprios cestantes da Rede mas também do que chamamos de amigos da Rede.

Nesta campanha  contra o corona e a fome , tem, além destes integrantes, apoios no exterior:uma parceira antiga, a Amar, , uma associação francesa que há 30 anos faz chantiers (vivencias colaborativas de construção) em assentamentos do estado do Rio de Janeiro, com jovens franceses uma vez ao ano. Eles organizaram uma vaquinha para apoiar nossa campanha. Também temos os Amigos da Rede na Suiça, que lançaram a campanha com o nome Bemvindo lá. Veio o edital da Fiocruz, em que fomos selecionados. . Assim a Rede conseguiu doações, e, com as parcerias com nossos produtores, que fizeram preços mais reduzidos, foi possível organizar a doação de cestas que vão direto para os territórios.

Alias, uma produtora, a Juliana Wu, do grupo Mulheres do Hydra do assentamento Terra Prometida ficou de fazer um depoimento hoje aqui, mas está sem acesso.

As cestas são entregues em territórios onde temos parceiros, que estavam começando este trabalho assistencialista que também nunca tinham feito. São 7 territórios, a Fundação Angelica Goulart, onde está Ana Paula Rodrigues, que mandou um depoimento e também está aqui. Conta com o apoio do núcleo campo Grande e faz parte da Rede Carioca de Agricultura Urbana.Temos o CEM com Ana Santos, parceira antiga, fornecedora da Rede. O SIM em Belford Roxo, e Debora Silva também enviou um depoimento.Ainda há o grupo Rua Solidária, que prepara quentinhas para moradores de rua. Tem o CAC, experiência da qual a Beth Bessa vai falar. A Articulação Popular das Vargens, para a qual Sara Rubio também mandou um depoimento. E finalmente o assentamento Oswaldo de Oliveira, parceiro prioritário da Rede, em função da reforma agrária, especialmente nestes tempos de perseguição. No caso, fornecem alimentos para a cozinha comunitária do acampamento Edson Nogueira.

O desafio é ligar campo a favela, e atualmente as pessoas são muito dependentes dos supermercados Os assentados e agricultores não tem acesso aos supermercados, são grandes produtores que estão lá. A proposta é fazer a conexão entre os dois lados, que as pessoas que recebem as cestas saibam de onde vem estes alimentos, saibam que tem diferentes formas de produzir, e que esta produção está muito próxima deles. Aí entra a solidariedade , porque os agricultores tem dificuldade de sobreviverem. Então queremos fortalecer este laço, a gente quer que as pessoas entendam a diferença entre a comida de verdade e a industrializada.Ela é mais barata do que os supermercados.As pessoas preferem dar um biscoito do que uma banana para seu filho,porque ele diz que quer o biscoite. Nós gostaríamos que a comida de verdade continuasse, que as compras continuem e se desdobrem em núcleos populares que compram direto dos produtos, talvez com um pequeno subsidio dado pela Rede. Então isto é um grande desafio, somos todos voluntári@s, o trabalho é enorme.

Estes alimentos estão ligados à soberania alimentar. Temos que pensar o cardápio da semana, a partir da oferta local, do que temos. Se a gente quer comprar local, temos que olhar o que a agricultura agroecológicapróxima tem para oferecer. É um caminho de duas vias.Eles também podem produzir o que se precisa. Mas é importante saber que as plantas tem origem em alguns lugares. O pesquisador Carlos  Armenio Khatounian (seu livro está disponível para download)  fala da agricultura agroecológica pode alimentar o mundo, mas precisa voltar a consumir mais local, regional e sazonal.Se pensam só em consumir batata, tomate, alface, cebola todos os dias, não vamos conseguir. A agricultura familiar é biodiversa. Se todo o mundo quiser comer só trigo, vamos ter que ter uma monocultura de trigo.O trigo não é adaptável ao clima tropical. Para usarmos trigo vamos ter que usar veneno.As plantas estão adaptadas a certos contextos. Dai a grande importância das Pancs, da mandioca. Os agricultores familiares conseguem produzir o aipim, a batata doce, o inhame, o que não é o caso da batata inglêsa. Ela é de clima frio e não se reproduz.Se ao invés de comer pão, comemos aipim, batata doce cozida que era o que nossos avós comiam, a gente pode receber de quem planta próximo.Repensar o cardápio pode permitir que sejam abastecidos por estes agricultores (continua na próxima carta).