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Um texto para reflexão: Saindo da Caverna - Pensando tempo e espaço

Texto: De Sarah Rubia

Eu parei de me preocupar com as horas, dias e meses, eu não sei quanto tempo cronológico estamos em pandemia

Custei a entender que tínhamos todo tempo do mundo, e que do meu espaço eu poderia interagir com outros espaços.

Me disseram que eu precisava observar minha respiração, até que um dia que ela ficou curta.

Dona Lourdes não estava por perto, o tempo dela acabou. Os livros sobre ervas medicinais ficaram, repletos de anotações, textos grifados que só ela poderia interpretar.

Maria do Céu  mandou um xarope com uma mensagem:

“Com o tempo as coisas se ajeitam, confie!”

E eu tenho mais tempo.

Tenho tempo para entender o que é comércio justo.

Tenho  tempo para entender a lógica de uma feira online

Tenho tempo para entender economia solidária pela lógica de agricultores que nunca estudaram economia mas que fazem mais sentido para o desenvolvimento local.

Tenho tempo para conhecer pessoas que não estão conectadas a uma rede de internet

Tenho tempo de aprender sobre culturas e tradições que me levam a refletir sobre quem me tornei e sobre o tipo de ser humano que quero continuar sendo.

Tenho tempo para aprender sobre linguagem não violenta.

E durante esse espaço de tempo eu vi a desigualdade gritar a minha volta.

Eu compartilhei meu tempo com a distribuição de cestas básicas.

Participei de intermináveis reuniões enquanto cadastrava uma lista de nomes quase que infinita de pessoas em vulnerabilidade alimentar.

Eu vi a casa dessas pessoas, eu chorei.

Eu vi um espaço onde não era possível pensar isolamento social, crianças sem espaço brincado na rua.

Uma criança me pergunta:

– Tia, o coronavírus já foi embora? A gente já pode sair?

Casas sem ventilação, que se juntam, que parecem cavernas.

Cesta básica era o mínimo a ser feito por essas pessoas.

Pessoas buscando conhecimento ancestral. Ervas medicinais, pancs.

Pessoas querendo banir agrotóxico de suas vidas.

Pessoas observando mais  a natureza.

Pessoas encantadas com o canto dos pássaros.

Pessoas observando o pôr do sol e todo o seu encanto.

Pessoas trancadas em seus condomínios. Como se fosse possível impedir a entrada de um vírus.

Como se fosse possível controlar a circulação de um vírus numa cidade com tamanha discrepância urbanística.

Onde mora o porteiro? Onde mora o entregador do delivery?

Eu vi a escravidão voltar em acordos trabalhistas injustos.

Eu vi Miguel morrer.

 

Tudo tem seu tempo, tempo de semear,  tempo de germinar, tempo de crescer, tempo de florescer, tempo de frutificar.

Eu entendi a importância do estar juntos, ser floresta. Num vendaval o que mantém uma árvore intacta são outras árvores e vegetações. O que mantém o solo fértil é a diversidade delas.

 

Eu me pergunto novamente.

Há quanto tempo estou vivenciando essa realidade?

E se na verdade o que acreditamos ser a entrada da caverna tenha sido a saída?

E se o meu normal fosse uma caverna que me impossibilitava ver com clareza a discrepância além dele?

Eu não consigo mensurar o tempo em que vivi tudo isso, eu não tenho como mensurar os espaços que ocupei, eu sei que foram muitos e a maioria deles, desconheço a dimensão.

Virtual e físico se embaralham.

 

Sarah Rúbia

(Vargem Grande)