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Balanço do território - CEM 2020 e Planejamento para 2021

 

Texto de Ana Santos

1. Balanço e avaliação das doações – Favela sem corona

Após avaliação interna com os integrantes do CEM, representações do Arranjo Local Penha e as moradoras fundadoras da Associação de Moradores (Sandrinha e Vanessa), avaliamos finalizar as doações agroecológicas em março, quando completamos 01 ano de ação continuada na pandemia com foco na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Nossa proposta é utilizar os recursos de janeiro e fevereiro/2021 do projeto Campo e favela de mãos dadas contra o corona e a fome – Rede Ecológica para as cestas e depois avaliar outras formas de utilização dos dois meses seguintes. Foi considerado que o CEM e a Associação de Moradores, que acaba de ser fundada, querem avançar nos planejamentos e ações territoriais nas bases da agroecologia na Terra Prometida para fortalecer vínculos, autonomia, troca, soberania e geração de renda e conhecimento, políticas internas, aquilombamento. As entregas ampliam o trabalho cotidiano sobrecarregando as pessoas, o que nos freia em virar esse ciclo: queremos ter mais tempo para ampliar a nossa produção de alimentos! Observamos também, enquanto moradores, o fluxo de pessoas indo e vindo do trabalho, a redução ou alternância das famílias nas doações, o aumento das entregas de comidas do comércio local, o próprio retorno do comércio local com o crescente aumento das compras, novos pontos de comercialização na casa dos moradores, fatores que vão trazendo a normalidade aos poucos. E para garantir que muitos moradores se mantenham engajados precisamos agir, antes que eles voltem pra sua rotina total e esqueçam as ações! Mas antes de bater o martelo na decisão, foi construída uma metodologia para conversa com moradores:

Dividimos a comunidade em 08 grupos (Ocupação prédio, Ferreira Chaves (porteira), Ferreira Chaves (Angra), Terra Prometida/Vacaria, Terra Prometida/Mirante São Paulo, Cavado, Escada Aymoré e Travessa Aymoré) – o motivo era não aglomerar e entender cada realidade, o morro é um só, mas em cada parte temos realidades diferentes.

– Apresentação dos presentes, do CEM e da nova Associação que começa a ser criada, fruto das ações comunitárias durante a Covid. Também foram feitos informes e escuta. Utilizamos para o debate: QUE BOM, QUE PENA, QUE TAL.

A proposta é ouvir, construir e reconstruir definindo um marco zero que já servirá como dado pra pesquisa junto a Fiocruz e principalmente, saber qual era o impacto pra cada família ficar sem as doações. Priorizamos iniciar com os grupos de maior fragilidade, e o retorno das famílias foi positivo. As famílias concordam em parar, pois acreditam que teremos mais força e recursos para as ações locais.  Aproveitamos também para levantar outras questões do território. E também existem outros apoios locais. Faremos uma avaliação mais aprofundada durante o projeto junto a Fiocruz – pesquisa-ação.

Numa escuta sensível, precisávamos entender se era importante manter algumas cestas atendendo quem ainda não conseguiu voltar à normalidade ou cuja normalidade já é esta.  Para esse suporte, temos xepa orgânica da feira orgânica de Olaria, entre outras parcerias já estabelecidas como a doação de peixes, e também poder contar com a horta nos quintais e no CEM, a nossa meta.

Também foi realizado um resgate da importância das cestas. Em ambas as avaliações foram trazidos muitos elementos em comum. As doações provocaram para organização de uma *feira agroecológica e solidária*. Na comunidade não havia ainda ponto comercial, nem feira de produtos e alimentos agroecológicos.

O espírito em que foi concebida a feira estava muito baseado no *cuidado um com o outro* e na mudança de perspectiva da doação, a começar que cada doação gerava encontro: nesse espaço o morador escolhe o que vai pra sua sacola que ele já trazia de casa. Por ex., sempre sobrava alimento, porque as pessoas se preocupavam com os que viriam buscar alimentos depois. Quando sobrava, redistribuíam, ou congelavam.

A partir da feira *moradores que nunca tinham falado um com outro*, ou apenas se cumprimentavam, começaram a conversar. Agora criaram um grupo de ginástica, e vão caminhar juntos, por exemplo.

*As entregas em formato de feira possibilitaram o contato e interação com diversos agricultores: Assentamento de reforma agrária Terra Prometida onde está o Coletivo Terra, agricultoras familiares Leodicea Salles e Juliana Diniz/Coopagé, o agricultor Francisco Caldeira/Rede CAU que sempre doou bananas e dezenas de agricultores cadastrados na ABIO*. Isto gerou muito aprendizados, ressignificação do campo e ações como Café da Roça, o Cozido agroecológico, o intercâmbio com moradores, apoiadores e crianças no Sítio do agricultor Francisco e a Feira da Roça de Vargem Grande, o fortalecimento dos encontros de quintais. Também houve as ações e os produtos de sabão de óleo reutilizado por mulheres promovendo * geração de renda*. Os almoços para equipe e processados como o bolo de aipim, incorporado na cesta.

Outro reflexo das feiras é quando os moradores passam a *se preocupar coletivamente em tornar o território mais bonito*. Reformaram a escada da Aimoré, vai se fortalecendo o plantio comunitário nesse espaço, a revitalização do quintal da Sandrinha e a cada espaço diferente que a Feira chegava o local se transformava, movimento local que provocou muita união e espírito coletivo.

A *vinda dos agricultores Cosme, Bia, Daniel, Mercês e outros companheiros do Assentamento Terra Prometida provocaram os moradores, criando espaço para falar da reforma agrária* para desconstrução da política genocida em que estamos inseridos. Estimulando muito a *agricultura urbana nos quintais da Serra da Misericórdia. E o entendimento da luta política, caminhos com os quais avançamos diante da crise sanitária.

2. Ações que se reinventaram, se fortaleceram ou passaram a existir na pandemia: 

– Construção da nova sede do CEM de pau a pique: As obras foram realizadas pelo integrante Marcelo Silva e contou com mutirões dos moradores durante a pandemia, com as agendas externas canceladas, ganhamos um pouco mais de tempo. A obra do CEM gerou renda ainda para uma jovem e dois auxiliares que apoiaram a construção.

Responsável: Marcelo / CEM – Tel.: 99557-9018

– Os Encontros de quintais: Aconteceram 5 encontros: oficinas – O meu quintal e a sua importância coletiva pra Serra da Misericórdia com a agrônoma Renata Souto-GT Mulheres AARJ; oficina de compostagem – dando continuidade às ações antes da pandemia com Pedro Biz/ESDI, que vem estudando em seu doutorado a compostagem como transformação na favela. Aula passeio com bate papo na Serra com os agricultores Cosme e Bia, observando os espaços de plantio e moradia, tipos de solo e no segundo fazendo o planejamento do plantio consorciado. Encontro de avaliação e planejamento nos quintais e mutirão na Leildes, conforme orientação do agricultor Cosme.

Moradora responsável: Leildes – Tel.: 97260-3060

– Cozinha comunitária: As ações comunitárias permitiram um resgate da cozinha existente na época anterior da sede antiga do CEM, antes da venda da sede. Nessa caminhada, a cozinha se configura num novo formato. Desta vez está acontecendo no espaço da moradora Sandrinha, que cede sua quitinete e envolve seu quintal – essa casa está em frente à escada, fazendo ligação com o plantio na escada e a nova sede da Associação e das atividades da farmacinha. Essa comunicação gera integração das ações.  Essa cozinha inicia com a produção do café da roça, dos processados da cesta e do cozido agroecológico. Para seu funcionamento, o CEM doou 01 fogão e 01 freezer industrial utilizado, um ar condicionado e seladora (doado por Annelise Fernandes). Também no cozido foram adquirido talheres e pratos, havendo doações de vasilhames pelas integrantes. O contrato da cozinha entre o CEM e o coletivo de mulheres será orientado pela Juliana Tangari, amiga da Rede Ecológica e advogada. E a novidade é que o hambúrguer de jaca após teste está sendo comercializado na Rede Ecológica e teve uma adesão muito boa, 52 pedidos.

Moradora responsável: Sandrinha – Tel.: 99817-9500

– Associação de Moradores/as e Amigo/as da Serra da Misericórdia: A pandemia fez a favela crescer muito rapidamente, e despertou a preocupação com o Nº de casas que cresce desorganizadamente colocando em risco a APARU – Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana da Serra da Misericórdia. E também a busca da melhor gestão da água, dos resíduos gerados e como se organizar politica e coletivamente.

Moradora responsável: Vanessa: Tel.: 98282-9055

– Farmácia viva: está entre a associação de moradores e a cozinha coletiva.

O trabalho realizado há 3 anos com as mulheres que são assistidas pela clínica da família desenhou em 2019 uma farmácia, tornando os encontros semanais não mais itinerantes, pois a proposta era manter as oficinas aprendizado-produção gerando fitoterápicos pra comunidade, cartilhas, resgate de receitas das ancestrais e mapeamento das ervas da Serra da Misericórdia. Com a pandemia, os encontros passam a ser virtuais. Outro fator é que mais integrantes passam a participar dando continuidade a partir de outras atividades que vão se fortalecendo.  A entrega da Cesta Cuidar-se para 17 mulheres pelo GT Mulheres da AARJ, tendo Marcelle/Verdejar feito essa articulação direta que possibilitou nós mulheres repensarmos: quem cuida de quem cuida? Essa doação, desperta formas de continuar: aulas por cada 3 pessoas, gravadas e compartilhadas vídeo aula e fitoterápicos para compor a farmácia.

Moradoras responsáveis: Dora/Tel.: 97118-9704 e Evelin/Tel.: 99698-4552

– Viveiros de mudas/Planejamento da produção: a pandemia paralisou a continuidade das ações nos 3 viveiros instalados (CEM, D. Josefa e Telhado Verde). Como estratégia lançamos o SOS Agricultura Urbana escoando produtos dos quintais/insumos pra plantio. Essa ação fortaleceu a geração de renda e a ampliação dos 3 viveiros, que como estratégia desenhada coletivamente, pela pandemia seria melhor ampliar os 3 viveiros e fortalecer a rede de troca, doação e comercialização. O viveiro do CEM permite a produção de 35 a 40 bandejas de mudas. Foi importante o apoio dado pela FAG ao comprar bandejas para seu território.

Responsável: Diego (Tel.: 98146-3060), Letícia/AS-PTA e Marcelo/CEM

– Compostagem: com a pandemia, o risco de contaminação freou o projeto de ampliar a compostagem para os moradores da escada, a imagem de orientação do Baldinho já havia sido produzida pelo designer Pedro Biz, assim como o desenho desse novo arranjo. Os espaços do viveiro e o CEM mantiveram as suas compostagens locais de maneira individual, recebendo suporte direto como foi o caso do Quintal da Josefa. Mas foi nos encontros de quintais que retomamos o projeto. Precisamos escrever projetos para a construção de postos de coleta, compostagem e transporte – futuro. Vale dizer que o jovem e integrante do CEM Samuel Barros fez um intercâmbio em Santa Catarina sobre a Revolução dos Baldinhos/financiado pela As-PTA.

Responsável: Pedro/Tel.: 98990-0823

– Comercialização on-line: Há 6 anos praticamos o escoamento dos nossos produtos com a Rede Ecológica, que não suspendeu os pedidos durante a pandemia, até ampliando a venda dos produtos, principalmente fortalecendo novas experiências da cozinha como o hambúrguer de jaca. A Feira Agroecológica da UERJ e a Feira da Leopoldina paralisaram, então criamos o SOS Agricultura Urbana, de modo que se mandava para fora os produtos de agricultura urbana, pois com os alimentos a proposta é manter dentro do território para subsistência na forma de troca/doação/venda – COLETIVO DE CONSUMO PRECISA NASCER.

Responsáveis: Pedro e Miguel/ESDI: Tel.: 98930-5046

– Cisterna: A Campanha foi feita para uma cisterna de 21mil litros. A construção foi de 72mil litros, abastecimento de água com amplitude muito maior. A cisterna acabou saindo mais cara. O material encareceu muito na pandemia, e os recursos acabaram, faltando a última parcela do pedreiro (1.466,00 reais), a portinhola de ferro e a bomba d’água. Acabamos de comprar o 3º caminhão de areia, 70 sacos de cimento e 2mil reais em encanações/tubulações.

A cisterna traz muito forte o diálogo sobre a água, o que gera força para trabalharmos a revitalização da nascente. A distribuição dos filtros de barro através do projeto da Rede Ecológica e AS-PTA financiado pela Fiocruz foi um diferencial, pois não somente se resgata valor dos antigos, como se percebe a qualidade da água que se consumia. E a nova parceria com Água Camelo, conexão da Rede Ecológica/Sandra Kokudai amplia esse acesso. Afinal, água é nosso alimento!

Responsável: Ana/CEM

– Atividade com as crianças: Em janeiro/2020 aconteceu a 5º edição da Colônia de Férias. Com a pandemia as atividades de julho e dezembro não aconteceram. Em outubro realizamos uma ação infantil “Raízes para o futuro”, financiada pelo Instituto PACS e a Rede Jubileu. Planejando as ações de continuidade em 2021.

Responsável: Ana/CEM

– Comunicação Popular: A comunicação também passou a ser essencial: as mensagens em áudio, texto e imagem fluíram com muita mais intensidade, seja com orientação do dia, local, uso da máscara, receitas, pedido para levar a sacola, dicas de suco e cuidados da covid produzido por Pedro Biz. É ele quem administra a página do Instagram e produz conteúdo de imagem; a partir das juventudes. Assim nasce nosso 1° coletivo de comunicação fortalecido pela As-PTA, Rede Carioca de Agricultura Urbana e Rede Ecológica. O projeto da Fiocruz vai gerar muito material de comunicação tendo bolsa para jovens. A As-PTA apoiará a produção de um vídeo do SOS produzido pelas juventudes.

Responsável: Juan / morador/voluntário/Geografia-UFRJ Tel.: 98413-1959

Projetos e parcerias para 2021 dialogando com as ações em curso:

– Participação no SPG da Rede Carioca de Agricultura urbana junto a As-PTA: Processados (Cozinha coletiva) e produção de mudas e alimentos agroecológicos. O SPG que já tinha uma coordenação coletiva junto a As-PTA é inserido ao projeto Sertões financiado pela Petrobrás.

– Aprovação de dois projetos da Fiocruz/NEEPS:

1) Conexões entre agroecologia, moradia digna e cuidado na construção de territórios urbanos sustentáveis e saudáveis em tempos de Covid-19: potencialidades para a redução de vulnerabilidades e a promoção emancipatória da saúde no Rio de Janeiro e Salvador – Coordenação Marcelo Firpo e Juliano (nosso coordenador no território).
2) O povo cuidando do povo. Identificar os desafios ao enfrentamento da COVID-19 em quatro territórios em situação de vulnerabilidade social no estado do Rio de Janeiro para potencializar estratégias da campanha Nós por Nós Coordenação: Carolina Niemayer

– Capina: Formação sobre viabilidade econômica, gestão democrática e comercialização por 6 meses para as atividades que estão sendo desenvolvidas.

– Planejamento da produção: Iniciando o apoio técnico da AS-PTA a partir do projeto Arranjos Locais e a interação com o Coletivo Terra que já vem acontecendo desde março. IMPORTANTE construir maneiras de manter a vivência com o Coletivo Terra: abastecimento da cozinha, abastecimento do coletivo de consumo, apoio financeiro e/ou trocas.

– Curso relativo a Designer social: Acompanhamento da turma de designer social da UFRJ, coordenado pela Prof.ª Bibiana. O projeto do curso após escuta, troca whatsap, aula virtual, é a produção de uma identidade visual para cozinha e farmácia e a produção de uma cartilha com resgate de receitas e as ervas mapeadas na Serra da Misericórdia.

– Educação Alimentar e soberania: Acompanhamento da turma de educação alimentar II da UFRJ/Macaé, coordenado pela prof.ª Vanessa Schottz: a proposta é uma orientação da turma na cozinha coletiva: desafios: como produzir alimentos processados locais e ganhar força de venda internamente, como gerar valor ou mesmo ressignificar junto a comunidade.

– Projeto com o Canadá, coordenado pela mestranda Amanda Azevedo/Soltec no território Penha. O projeto faz intercâmbio com Alagoas e Maranhão: Quilombo Santa Rita dos Pretos. A proposta é a construção de uma ação projetada para a cozinha que dialogue com os demais espaços como já dito, para gerar uma cartilha de construção sustentável a partir de mulheres.

O que precisamos:

– Formação de grupos de consumo: iniciar bate papos a respeito. Pensar metodologia que possa construir, se sente sem saber como.

– Apoio técnico para escrever projetos inclusive em âmbito internacional. Fala do Soltec que está atuando em 3 frentes: cozinha, esgoto e água.

Apoiar a construção da colônia de férias, ver transporte para intercâmbios

Apoio financeiro para compra de materiais restantes da cisterna e última parcela/ pagamento do pedreiro responsável

– Desenho físico-financeiro de um espaço para conserto de bombas d’água com formação dos jovens. O conserto da bomba é muito caro, ter esse serviço dentro da comunidade gera renda local e uma melhor manutenção da bomba d’água – equipamento fundamental para abastecimento de água nas casas.

Informalidade

Planejamento

Improvisação

Tempos de vida diferente

Confiança

Presença

Escuta

 

De dentro pra fora

De baixo pra cima

Agricultura urbana pra além do plantar na Serra da Misericórdia

construindo territórios de bem viver na favela.