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Articulação Popular das Vargens inovando na Campanha

A Articulação Popular das Vargens, um dos territórios da Campanha Campo e Favela, inicia uma feira solidária junto a feira da Roça, espaço no qual as doações serão entregues às famílias.

No dia 25 de fevereiro de 2021, o Núcleo Vargem Grande da Rede Ecológica fez a última entrega de frescos na comunidade de Santa Luzia. De agosto a fevereiro, foram sete meses de mobilização para fortalecer os vínculos entre os agricultores de Vargem Grande – que plantam e precisam escoar sua produção –  e as famílias das comunidades de Santa Luzia e Cascatinha (esta recebeu frescos até dezembro) com o objetivo de levar alimentos saudáveis e agroecológicos para quem precisa e contribuir para a segurança alimentar local.

A entrega de frescos se deu em um contexto marcado pelo acirramento das desigualdades sociais durante a pandemia que resultou em uma maior vulnerabilidade nos lares chefiados por mulheres pretas. A fome e o nutricídio passaram a acometer mais e mais famílias não apenas no território das Vargens, mas em toda a realidade nacional. No Rio de Janeiro, estar na Zona Oeste da cidade nos coloca em um lugar periférico com graves problemas estruturais de acesso às políticas públicas, o que torna imperativa uma ação comunitária de enfrentamento a essa realidade.

O Núcleo de Vargem Grande da Rede Ecológica por intermédio de algumas das suas cestantes atuou conjuntamente a Teia de Solidariedade da Zona Oeste nesse último ano para encarar esse desafio, compreendendo que assistência social é um direito e que não poderíamos ficar inertes enquanto famílias de nosso entorno passavam por dificuldades extremas. Nossas ações não são assistencialistas, pois visam um objetivo político maior de luta por direitos, de fortalecimento da agricultura urbana (principalmente da Zona Oeste e da Baixada Fluminense) e de empoderamento das famílias na relação que se constrói a partir de distribuição de cestas de frescos – e também de secos – estas últimas oriundas principalmente da Campanha do Rio contra o Corona por intermédio da qual a Teia de Solidariedade da ZO pode redistribuir alimentos em vários territórios.

Nossas ações em Santa Luzia, em particular, se deram por intermédio da articulação de Mara Bomfim que desempenhou um papel crucial no cadastramento, na seleção das famílias atendidas e na metodologia das bancadas agroecológicas. Em relação a esse último aspecto, ao invés de oferecer cestas fechadas, compreendemos que garantir a autonomia das famílias na elaboração de suas próprias cestas, além de evitar o desperdício, respeita a condição daquelas como protagonistas de sua história e contribui para a formação de uma consciência social e coletiva que, certamente, foi um dos maiores ganhos políticos desse processo. Foi, assim, que encerramos um primeiro ciclo de ações com muito orgulho de ver os vínculos construídos, mas cientes de que tudo que trilhamos até aqui é apenas parte da luta pela soberania alimentar e pela democratização do acesso aos alimentos saudáveis no território das Vargens e de toda a Zona Oeste.

No dia 07 de março de 2021, demos início a um segundo ciclo de nossas ações no território.  A campanha ganhou um novo formato, com a entrega das doações ocorrendo na própria Feira da Roça, fortalecendo esse lugar que conquistamos há cinco anos e que re-existe todos os domingos, no Largo de Vargem Grande, de 08h às 13h. É nesse local onde se estabelece o encontro dos agricultores e agricultoras com os consumidores e, agora também, com as famílias assistidas por essa campanha, redefinindo laços e construindo uma identidade de luta e solidariedade no coração das Vargens.

A Feira da Roça, Agroecologia e Cultura/FRAC é um lugar simbólico para colocarmos em prática esse velho projeto de economia solidária que paulatinamente vai ganhando corpo e consistência com a possibilidade de ocupar a feira com as famílias que anteriormente eram atendidas nos seus territórios. Nós mantemos a metodologia da bancada agroecológica e, em breve, vamos criar uma moeda social. Foi emblemático ver esse primeiro dia de ocupação da FRAC nas vésperas do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. O dia foi marcado pela presença da Teia de Solidariedade da Zona Oeste e da Brigada Feminista 8M – Vargens que estamparam seus cartazes, lambes e palavras de ordem em defesa do SUS, da vacinação para todes, contra a privatização da CEDAE e na defesa da água como um direito, contra esse governo fascista, racista e genocida e a favor da luta das mulheres.

Nessa primeira experiência, contamos com a presença de poucas famílias do projeto na feira, mas nossa bancada agroecológica chamou a atenção de todos e todas que passavam. Ainda assim, conseguimos alcançar 17 famílias e todos os produtos foram distribuídos, sem desperdício, chegando na mesa de quem precisa. Os consumidores queriam comprar os produtos expostos e a fartura ali presente foi um lindo e esperançoso recado de que há luta, há resistência, há organização popular e que todos e todas têm o direito a ter acesso a alimentos ricos em nutrientes, frescos, sem agrotóxicos e diversos. Muitos e muitas que passaram por ali ficaram felizes em saber que essa campanha está acontecendo e desejaram participar também. Para os agricultores e agricultoras também foi um enorme diferencial saber que o lugar para onde seus produtos estão indo tem rosto, nome e sobrenome. Quantos avanços e quantas possibilidades são abertas a partir disso.

Ter essas famílias na feira é uma forma de garantir o encontro entre tantos sujeitos envolvidos nesse processo e que, apesar de diferentes, encontram-se nas mesmas trincheiras da resistência popular – desde os próprios agricultores, passando por voluntários que atuam na viabilização desses circuitos solidários e até mesmo os próprios consumidores da FRAC que podem se aproximar desse universo de solidariedade e contribuir de diversas formas.

Para seguirmos com esse projeto, é necessário seguir captando recursos e alcançar um bom saldo de doações para que possamos arcar com a compra dos produtos frescos e a montagem de nossa bancada agroecológica solidária quinzenalmente. Atualmente, temos garantido apenas para os meses de março e abril. Acreditamos que podemos dobrar essa meta e atingir cada vez mais famílias.

É importante refletirmos que tais ações são de fundamental importância para pensarmos estratégias de longo prazo que caminhem no sentido de avançarmos na soberania alimentar no território fortalecendo as pontes entre aqueles que plantam, aqueles que comem e unindo também todos aqueles que estão no meio do processo e que podem contribuir de alguma forma. Então, vamos juntos caminhar para esse novo ciclo? Contamos com vocês!