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Viva nosso pinhão!

 

Texto de Rita Scheel

Rita Scheel-Ybert, cestante de Santa Teresa, é arqueóloga do Museu Nacional/UFRJ,especialista em Arqueobotânica, e uma de suas linhas de pesquisa é o uso e consumo de plantas e as práticas de cultivo em território brasileiro desde a pré-história. O Laboratório de Arqueobotânica e Paisagem (LAP), que ela coordena, tem um projeto de extensão que visa levar conhecimento sobre esses temas a alunos de escolas públicas e ao grande público,e uma de suas ações é a divulgação científica. Através desse projeto, temos feito várias publicações sobre a pré-história brasileira e a história das plantas. Uma das mais recentes fala sobre a história do pinhão, que na Rede é fornecido pelo  Sítio Kouit, de Itamonte, Minas Gerais.

Venha saber mais sobre o pinhão no texto abaixo, e se tiver interesse siga o grupo do LAP nas redes sociais.Instagram: @balburdialap.mn Facebook: @lap.mnufrj

O pinhão é a semente da Araucária angustifolia, árvore que não produz frutos e nem tem flores (nomeamos esse grupo de gimnospermas). De modo geral, a espécie é encontrada em pontos mais altos como as serras e planaltos, nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Algumas pessoas a chamam de Pinheiro-do-Paraná, já que é a árvore símbolo do estado, mas também podemos denominá-las de Araucária.

Quando chegam os primeiros ventos do outono os pinhões começam a ficar no ponto. Para ter acesso a essa iguaria, temos duas opções: podemos esperar a lei da gravidade entrar em ação e catar os pinhões espalhados no chão, ou, pegar a pinha direto do pé escalando essas árvores que podem chegar a mais de 40 metros de altura!

O pinhão pode ser consumido cozido, incrementando diversas receitas típicas. No entanto, a forma considerada mais tradicional de comer a semente é pela “sapecada”, consistindo em deixá-la no contato direto com a brasa da fogueira ou na chapa quente do fogão a lenha.

Dada a relevância econômica e simbólica do pinhão, anualmente acontecem festas em diversas cidades celebrando sua colheita.

O que muitos não sabem é que essa importância não vem de hoje, essa semente tem muita história para contar…

Os grupos pré-coloniais Proto-Jê do Sul tiveram uma relação muito intensa com o pinhão.Cientistas os consideram responsáveis pela existência das grandes florestas de Araucária,pois eles plantavam e cuidavam dessas árvores, ou seja, manejavam a floresta, e dessa forma modificaram a paisagem e a vegetação há mais de mil anos. Para chegar a essa conclusão foi utilizado um conjunto de evidências, entre elas o registro de vestígios vegetais, como fitólitos, grão de amido e fragmentos de pinhas da Araucária em sítios arqueológicos.

Outra análise foi sobre a questão climática, acontece o seguinte: as Araucárias gostam de regiões bem úmidas, no entanto, na época da expansão Jê para esses ambientes o clima estava ficando mais seco, o que não favorecia o crescimento natural de grandes florestas de pinheiro.

Através de estudos arqueobotânicos também foi possível registrar restos do pinhão em sambaquis, no litoral, onde a ocorrência desta árvore não é comum. Temos informações de um termo específico, “kuriy týva”, em Tupi-Guarani para grandes concentrações de Araucárias. Do pinheiro era aproveitado também a madeira, ótima para construção e lenha,e as folhas para acender o fogo ativando propriedades aromáticas. Até hoje grupos indígenas como os Laklaño Xokleng e Kaingang identificam este pinheiro como uma árvore de grande valor simbólico.

O pinhão é um alimento de alto valor nutricional muito rico em calorias, fornecendo energia e sustância para o dia-a-dia. Mas ele também é rico em fibras, em vários minerais importantes para a saúde (cobre, zinco, manganês, ferro, magnésio, cálcio, fósforo, enxofre e sódio), e particularmente em potássio, que é importante para o controle da pressão arterial. Além disso, ele fornece ácidos graxos (ômega 6 e ômega 9) que contribuem para controlar os níveis de colesterol no sangue.

Infelizmente a Floresta de Araucária criada por estes povos se encontra criticamente ameaçada. Antigamente estas árvores eram derrubadas deliberadamente pelos imigrantes europeus, pela qualidade de sua madeira. Hoje, há uma grande pressão da especulação imobiliária sobre os remanescentes de floresta que ainda estão de pé. Após vários projetos para sua conservação, os números de árvores já estão subindo, principalmente com a ajuda de pequenos produtores que continuam colhendo e plantando essas árvores para cada ano ter mais pinhão. No entanto, ainda precisamos ficar de olho e nos empenhar