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A feira solidária buscando mais caminhos

Texto de Mariana Bruce

Feira Solidária na Feira-Quilombo: semeando e multiplicando sonhos a partir do encontro

Neste domingo, 16/05/21, rolou mais uma Feira Solidária na Feira da Roça Agroecologia e Cultura/FRAC. Desta vez, os recursos oriundos da campanha Campo e Favela de Mãos dadas contra o Corona e a Fome da Rede Ecológica, da Teia de Solidariedade da Zona Oeste, da própria FRAC e algumas doações avulsas de parceiros e parceiras que brotaram por lá, permitiram que nós alcançássemos cerca de 50 famílias de vários territórios do nosso entorno: Santa Luzia, Cascatinha, Caminho da Bica, Cabungui, Camorim, Caetés e outros mais. Porém, sabemos que não teremos condições de manter esse volume de atendimento, pois, além de não contarmos com tantos recursos assim, encontramos maiores dificuldades de fazer um acompanhamento mais acolhedor às famílias que chegam na Feira e de garantir também uma maior qualidade nas cestas. Então, para as próximas entregas devemos voltar a nos concentrar no atendimento a cerca de 30 famílias e garantir que as mesmas tenham acesso a boas cestas que sejam, inclusive, condizentes com o número de membros que cada uma possui – sabemos que tem famílias menores, com três membros, e famílias enormes com até 18 pessoas.

Nossa banquinha estava particularmente linda e sortida, com muita variedade de legumes, verduras, frutas, matos de comer, raízes, ovos caipira gentilmente doados pelo Sitio Arte na Terra da rua Santa América, outras doações que chegaram por lá (valeu, David Henderson, pelas bananas d’água!), além de muito afeto das nossas articuladoras no cuidado com as famílias e na distribuição dos alimentos. A expectativa já começou na noite anterior e na madrugada de domingo com os vídeos enviados por D. Lourdinha de sua colheita fresquinha de aipim e mamão, produtos que saíam do solo e iriam direto para a mesa de quem mais precisa. É disso que estamos falando: de um espaço que democratiza o acesso ao alimento que é livre de veneno, de agrotóxico, que é limpo, agroecológico, que representa um tanto de coisa e que agora tá chegando também nas comunidades do nosso entorno – e não apenas nas casas de classe média.

Inspirada pelo que testemunhou neste domingo, Silvia Baptista, uma intelectual orgânica das lutas desse território, sintetizou de forma muito assertiva o que a Feira da Roça estava se transformando: uma Feira-Quilombo. Empretecida, da re-existencia. Do jeito que deveria ser mesmo. Silvia é quilombola, herdeira de umas das famílias mais tradicionais das Vargens. Sua avó paterna era da família Mesquita, prima da agora famosa Astrogilda que dá nome a um dos núcleos matrilineares do Quilombo das Vargens e que nasceu em uma casa de pau a pique lá em cima na floresta. Já sua avó e avô maternos são do rumo da Sacarrão, da região do Peri, onde existiu a Toca da Farinha. Seu avô Higyno Correa inclusive tinha uma mão encolhida por conta de uma queimadura que sofreu quando era criança no forno que tinha lá onde se produzia mandioca. É muito bom ouvir e resgatar essas histórias porque elas referendam um princípio que é muito importante para gente: o de reconhecer que nossos passos vêm de longe. Construir uma Feira-Quilombo só é possível porque teve gente como a Silvia e como tantos outros e outras que vieram antes e depois dela e que se empenharam em intervir na realidade buscando fortalecer esse outro tipo de relação com a Natureza e entre os seres. Um outro tipo de relação que, hoje, podemos chamar de Bem Viver, honrando nossas raízes originárias.

Foram muitas as sementes que surgiram desse último encontro. Outra delas veio da prosa que aconteceu com Tereza Aprígio que Silvia inclusive a considera como uma parente sua. Inicialmente Aprígio era uma das famílias que assistimos em Santa Luzia e devagarinho foi se achegando e se tornando uma articuladora da nossa Feira Solidária atuando junto com Maraci Soares, na montagem e distribuição das cestas de frescos.

– Essa distribuição começou lá na comunidade e eu buscava junto com a Maria Bomfim. Depois, a distribuição veio para a Feira da Roça. Eu nunca tinha vindo à essa Feira. E estou muito feliz porque estava com vários problemas na minha vida e estar aqui domingo sim, domingo não, é uma maneira de me ocupar, distrair minha cabeça, encontrar amigos. Estou gostando muito.

Depois de quatro Feiras Solidárias, Aprígio faz um balanço dos principais desafios que estão colocados em nosso horizonte:

– Acredito que ao invés de ampliar muito o número de famílias atendidas, seja importante melhorar mais a qualidade das cestas. Porque a carne nós já não contamos. Então, poder contar com uma variedade e quantidade maior de legumes e verduras para a semana, seria muito válido.

Os produtos que chamam mais a atenção dela na Feira são a banana e o chuchu. Chuchu cozido na água e sal, refogado, puro, de todas as formas. Chuchu é um sonho, segundo Aprígio. Nossa articuladora ressalta a importância de ter um espaço como o da Feira onde os agricultores possam escoar sua produção. Ela lamenta muito não ter um pedaço de terra para plantar, pois adoraria poder investir nisso e poder contribuir também.

 

Não sei se vocês lembram, mas a comunidade de Santa Luzia se localiza em Vargem Pequena em uma rua que fica bem em frente ao Centro Municipal de Saúde Cecília Donnangelo. Proseando mais na Feira, lembramos que bem ali no posto, tem uma área enorme com uma horta que outrora já foi foi muito fértil, voltada para o plantio de ervas medicinais, e que, hoje, encontra-se abandonada. Ora, numa terra como a nossa onde quem quer plantar não tem terra e onde tem terra não se planta, alguma coisa precisa ser feita. Um desdobramento dessa conversa foi o de assuntar em Santa Luzia se tem mais gente com esse mesmo desejo da Tereza Aprígio de plantar. Não sei se já comentamos, mas um dos nossos horizontes estratégicos, além do fortalecimento da nossa feira, é justamente o de impulsionar hortas comunitárias nos territórios onde atuamos para que possamos avançar em nossa soberania alimentar. Sendo assim, quem sabe, a partir de um diálogo com a direção do posto de saúde, não possamos dar mais um passo nessa direção e conseguir instalar uma horta solidária e comunitária por lá? Que tremenda semente seria, não acham? Torçam por nós.

Aproveitem e assistam à live mediada por Mariana Bruce, sendo convidadas Alice Tapaxó e Thiago Avila. Muito interessante!

A idéia é fortalecer estas lideranças, multiplicar as ações, potencializar juntos.

Muito promissor!