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Encerrando a retrospectiva sobre a Rede Ecológica

Texto Miriam Langenbach

A Rede Ecológica se caracterizou desde o início por ser um grupo discreto, que foi desenvolvendo seus trabalhos sem chamar muita atenção. Foi pouco interessada em divulgar seu trabalho na mídia. E fica muito claro que ter-se tornado uma referência em termos de grupo de consumo consciente resultou muito de suas ações dentro do movimento social e do boca a boca, bem como de sua história estável e bem sucedida em várias vertentes, para além das compras coletivas.

Dentro do movimento social, pensando no reforço a políticas públicas, a Rede Ecológica dedicou-se a ser presença constante, desde 2011, no Conselho de Segurança Alimentar do município do Rio de Janeiro, tendo tido ali desde então um papel ativo.

Sua relação com o MST tornou-se mais forte nestes últimos anos, especialmente desde a eleição bolsonarista. Assim, em 2019, a Rede Ecológica movimentou-se para possibilitar a compra de um caminhão para um coletivo de comercialização que integra 3 assentamentos do sul fluminense, o Coletivo Alaíde Reis. A Rede correu atrás, através de uma campanha de doação e empréstimo, e conseguiu viabilizar o caminhão, o que facilitou a logística de comercialização desses assentamentos.

Ainda neste mesmo ano, definiu-se por realizar mensalmente uma visita ao assentamento Terra Prometida, que vivia momentos muito difíceis, ameaçado pela exploração de areais em suas terras, e pela ação de milícias, desrespeitando ser ali uma área de preservação. As visitas sempre foram consideradas uma forma de divulgação e visibilização muito importante para o movimento. Neste ano de 2019, cada núcleo assumiu a organização de uma visita, que possibilitou muitas trocas, tendo estado presentes pessoas de fora da Rede que desconheciam os assentamentos. A roda de conversa que se estruturava, trazendo as questões do assentamento e do movimento; o almoço feito com os produtos do assentamento, com geração de renda, foram contribuições relevantes, que aumentaram a consciência social e política dos  visitantes.

No ano de 2020 fomos surpreendida(o)s pela pandemia. A primeira grande decisão foi: manteríamos nossa entrega de frescos e secos? O medo era grande, o desconhecimento também. E foi muito impressionante ver, como depois de conversas e reflexões, houve a decisão pela manutenção das entregas. Algo fundamental para nossos produtores, que já não podiam contar com suas feiras e seus outros canais, vivendo um momento de crise.

Decidimos ir além: a partir da percepção do desespero das ruas, em que aumentava a cada dia a população sem abrigo, iniciou-se um movimento de apoio, propondo a compra de produtos de nossos produtores para completar as refeições que vinham sendo preparadas pelo coletivo Rua Solidária, para a população de rua.

Rapidamente houve necessidade de redefinição por novos territórios e também formatos: a compra de alguns de nossos produtores viabilizaria cestas para famílias em insegurança alimentar, atendendo às duas pontas. De um lado aumentando o escoamento de nossos produtores e, de outro, introduzindo comida de verdade para espaços que não tem tido acesso a ela. Foi impressionante perceber o encantamento com os alimentos agroecológicos que ali chegavam quinzenalmente e que remetiam aos tempos dos avós, da roça. Dessa forma foi se construindo em realidade a possibilidade de um canal direto entre produtores e estes moradores, ampliando o acesso de alimentos de qualidade ao povo. Este tinha sempre sido um desejo nosso, para sair de nossa bolha, algo difícil de realizar. A campanha abriu o caminho para avançar nesta direção, conforme se pode ver pelo relato que se segue. É um balanço do ano de 2020, um bom retrato do que foi feito.

Além da entrega de cestas, tínhamos ambições maiores: não apenas refamiliarizar as pessoas com esses alimentos saudáveis, mas também propiciar oportunidades para que pudesse ser construído o acesso a estes alimentos, através do seu plantio por estas comunidades. Um segundo aspecto era o de propiciar geração de renda, tanto através do plantio e venda de produtos, como através do preparo destes alimentos, reforçando uma culinária de qualidade. Nesse sentido, continuamos estimulando hortas e cozinhas comunitárias, em que o coletivo perceba sua força, e sua possibilidade de ter autonomia, construindo novos caminhos mais permanentes de reforço à agricultura urbana.

Finalmente foi interessante perceber que a entrega de cestas em alguns locais rapidamente se transformou em uma feirinha agroecológica e solidária de produtos, no caso doados. Pode ser um embrião de uma feirinha, consolidando a escolha por consumo de uma alimentação de qualidade, produzida em local o mais próximo possível do consumo. Este formato exatamente pode ser uma forma de posteriormente facilitar a continuidade do canal criado entre produtores e consumidores.

Importante destacar que, como a maioria dos produtores da campanha são integrantes do MST, do movimento de reforma agrária, sempre que há um contato direto com os consumidores, é trabalhada a significação deste alimento na cadeia da grande luta que o cerca e que está em curso.

A organização da feirinha agroecológica e solidária nos remete aos grupos de consumo. Tendo sido nosso ponto de partida, acreditamos ser o formato necessário para manter vivas e atuantes feirinhas deste tipo no póspandemia, indo muito além do próprio alimento e assim se organizando micro e macropoliticamente.

Não poderíamos deixar de comentar o grande movimento solidário de apoio à nossa campanha, que já nos garante a continuidade de trabalhos até o final do ano de 2021. O apoio de nossos cestantes, de amigos e familiares que se transformam em amiga(o)s da Rede, e em grupos de fora do país, que tem também apoiado consistentemente a partir da França (através da ong Amar), Suiça e Alemanha. Esses vínculos são promissores, no sentido da continuidade destes trabalhos empoderadores que estamos vendo acontecer.