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Tecendo caminhos para Economia Solidária e Soberania Alimentar nas Vargens

Texto de Mariana Bruce

Nesse domingo nublado de Santo Antônio, 13 de junho de 2021, dia de repartir fartura, nossa Feira Solidária  avançou mais um passozinho no sentido de construir uma economia solidária e a soberania alimentar em nosso território. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo que fica até difícil relatar tudo para vocês. Mas vamos por partes. Estamos em nossa 8a Feira Solidária, indo para o 4o mês de distribuição de alimentos frescos na Feira da Roça quinzenalmente. É tempo de fazer um balanço, entender o que acumulamos até aqui e para onde desejamos ir junto com nossos agricultores, articuladoras e famílias assistidas. Sem pretensão de esgotar essa reflexão hoje, trago alguns pontos que, por outro lado, são bem relevantes e merecem ser compartilhados com esta rede.

Um primeiro diz respeito ao front da distribuição. Entendemos que havia vários aspectos na distribuição que precisávamos melhorar para atender de forma mais satisfatória as famílias, considerando o número de integrantes de cada realidade e definindo de forma mais claro um padrão de cesta. Desde a última Feira que rolou no dia 30 de maio já imprimimos um cartaz A3 com todas essas especificações (como vocês podem ver nas imagens),  inspiradas em um modelo da Fiocruz, e procuramos garantir uma maior fartura em cada cesta. Apoiadas hoje pelas mãos mágicas de D. Sônia, nossa articuladora de Cascatinha, que tem longa experiência na distribuição de  alimentos, e também de Rose (Cascatinha) e Tereza (Santa Luzia) conseguimos o efeito da multiplicação e  atendemos cerca de 30 famílias com maior qualidade, graças aos recursos obtidos junto a Rede Ecológica, Teia de Solidariedade da ZO e com a própria Feira da Roça.

Ainda assim, queremos avançar mais. Nosso sonho é avançar para a autogestão da distribuição, contando com uma consciência colaborativa e solidária entre as famílias, de maneira que nossa barraca agroecológica e a
barraca dos nossos agricultores e agricultoras possam ser visitadas e que cada família monte sua própria cesta utilizando-se de uma moeda social.

Outro ponto está relacionado ao estranhamento que muitas famílias têm em relação aos matos de comer (também chamados de Plantas Alimentícias Não Convencionais/PANCs). A vinagreira e a chaya são as campeãs nesse quesito e acabam se tornando itens não tão bem vindos nas cestas – muitas vezes porque as pessoas não conhecem tão bem e não sabem o que fazer com elas. Temos falado por alto de algumas receitas simples na distribuição, do valor nutritivo dessas verduras, mas era preciso fazer mais que isso. Hoje, graças aos recursos disponibilizados pela Teia de Solidariedade da Zona Oeste conseguimos produzir um lanche mais que especial para as famílias. A Sarah Rubia da Cor&Sabor, uma das feirantes da Feira da Roça, com sua especialidade em culinária vegana e agroecológica, produziu um cardápio incrível feito basicamente desses matos e outros produtos  encontrados nos quintais produtivos deste território. Teve bolinhos assados de banana verde com ervas, mini
quiche de taioba com massa de caramoela, bolo e pão de fruta pão, pastinha de caroço de jaca com ervas e temperos (alho, salsa, manjericão e VINAGREIRA), além de um chazinho delícia da nossa querida agricultora Maria do Céu que em sua composição mágica de ervas gera um adocicado natural que prescinde do açúcar ou mel. Não
sobrou nem farelo ou gota para contar história. Isso nos leva a um terceiro ponto.


Aproveitamos a oportunidade do lanche para conversar com algumas
famílias que ficaram até o final da Feira para assuntar sobre a possibilidade de realizarmos uma oficina de produção de sabão, reaproveitando o óleo caseiro, como um mecanismo que além de lidar com o problema dos resíduos, pode se tornar um meio para geração de renda. Aliás, quando falamos sobre essa tecitura de caminhos para a Economia Solidária, tem tudo a ver com isso. Como contribuir para que essas mulheres chefes de família possam gerar renda, possam ter acesso ao alimento, com recursos que estejam a sua volta, em seu território, ganhando maior autonomia e respiro financeiro nesses tempos tão difíceis. Queremos fazer várias oficinas de sabão, de costura para produzir absorventes, de culinária e de… produção e multiplicação de hortas! Este último nos leva ao ponto final da prosa de hoje e é a ponte para entrevista linda que realizamos com Seu Jorge, um dos nossos mais queridos agricultores, que tem visto sua produção mudar de cara graças ao trabalho sistemático que temos que realizado durante essa pandemia de não apenas fortalecer o lado de quem tem fome, mas de fortalecer o lado de quem produz também com todos os recortes de classe e raça que esse contexto nos exige.

Seu Jorge, ou melhor, Jorge Ribeiro de Moraes, mora na comunidade da Cascatinha em Vargem Grande. É agricultor urbano desse quilombo ampliado das Vargens que não se restringe ao maciço da Pedra Branca, mas se estende às favelas de seu entorno. Quando questionado sobre o porquê plantar, ele respondeu o seguinte: – Eu planto porque estamos precisando ter mais plantador para debater com a fome que todos estão passando. É um conhecimento que eu tenho que precisa se espalhar para quem não sabe. De conhecimento, eu tenho conhecimento de plantar de tudo. Mas agora tenho plantado mais alface, couve, cebolinha, tudo que é de hortaliça. Mas eu posso plantar de tudo. A Feira Solidária tem sido muito importante porque, além de muita gente tá sendo beneficiada, tem me ajudado muito também porque minha mercadoria tava parada, sem saída. Tava quase não dando nem para trabalhar e agora está escoando melhor. Seu Jorge planta hoje em uma área relativamente pequena, num terreno que não é dele, em uns canteiros emprestados de uma chácara de um amigo. Então, ele planta para a sua própria subsistência, para o amigo e o que sobra, ele vende. Mas poderia plantar muito mais se tivesse acesso a mais terra.

A chegada da Chapa O Sertão Carioca é Nosso na diretoria da AMAVAG no último 07 de maio trouxe um universo de possibilidades para um estreitamento de laços com a agricultura desenvolvida por pessoas como Seu Jorge em nosso território. A Chapa é constituída basicamente por moradores históricos das Vargens, quilombolas,  agricultores e agricultoras que atuam na Feira da Roça e tem um compromisso de conferir protagonismo àqueles que, em nosso território, são considerados os guardiões das matas, da terra e da água. A sede da associação fica
relativamente próxima à comunidade da Cascatinha e, diante da demanda de algumas famílias que temos atendido na feira e do próprio Seu Jorge de querer expandir a produção, retomamos um velho projeto de horta comunitária no terreno que há ali. Queremos trazer essas mulheres chefes de família que querem plantar, queremos trazer o Seu Jorge, queremos trazer outros agricultores para fazer deste um terreno produtivo que possa contribuir no  avanço da soberania alimentar em nosso território com o protagonismo do povo preto e periférico das Vargens sempre.

Porque no final é disso que estamos falando: de uma agroecologia preta orientada para o Bem Viver, tal como anunciado pelas mulheres pretas em 2015. Com a nova diretoria, as possibilidades são infinitas. Seu Jorge já
sinalizou que se conseguirmos garantir um fixo mensal, ele pode reestruturar sua produção para atender cada vez melhor a Feira Solidária. Felizmente, com a parceria consolidada hoje com a Rede Ecológica e com a Teia de Solidariedade da Zona Oeste isso é possível. Assim como é possível avançar na implantação da nossa horta comunitária na sede da AMAVAG. Assim como é possível fazer desde o viveiro de mudas que Seu Jorge tanto precisa e não tem espaço para fazê-lo, até várias oficinas junto às mulheres de Cascatinha que estão desejosas de colocar as mãos na terra e não encontram espaço em sua comunidade. Tem muito sonho sonhado junto aí,  pessoal. É só aguardar para ver essas sementes todas germinando e dando seus brotos. Basta manterem os olhos e os sentidos despertos.

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TEIA DE SOLIDARIEDADE DA ZO MULHERES ZO: SOBERANIA ALIMENTAR E AUTOGESTÃO NOS TERRITÓRIOS em: mulhereszonaoeste.bonde.org.br
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