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Relato do I Seminário de Agricultura Urbana (parte final)

Aberto por Miriam Langenbach da Rede Ecológica e mediado por Márcio Mattos de Mendonça da AS-PTA, o seminário contou com o panorama traçado por Bernadete Montesano da Rede Carioca de Agricultura Urbana – Rede CAU, sobre a Agricultura Urbana no Rio de Janeiro, além dos relatos de experiência de Paulo Monteiro, da Fundação Angelica Goulart, Ana Santos e Marcelo Silva do Centro de Integração na Serra da Misericórdia/CEM.

Você pode assistir ao I Seminário pelo youtube ou acessar os relatos que realizamos em duas etapas, a  Parte I – onde se encontra uma síntese da apresentação da campanha feita pela Miriam e do relato feito pela Bernadete e a Parte II que segue abaixo:

Paulo Monteiro (FAG): Fala dos primórdios da agricultura urbana e da sua participação das atividades em Campo Grande, começando a agir junto aos quintais, no projeto da Escola de Floresta e depois, junto com o Márcio Mendonça da AS-PTA, no Instituto Luana Gonzaga, realizando atividades com famílias e crianças, oportunidade importante junto ao Arranjo Local e Quintais, em que teve oportunidade de aprender e desenvolver a agricultura urbana nos quintais dessa região. Desde então, trabalha nesse processo de educação ambiental a partir da agricultura urbana, até chegar à Fundação Xuxa, hoje Fundação Angélica Goulart-FAG.

No desenvolvimento do quintal, dois meninos – David e Vítor – trabalham fazendo todo o processo de limpeza dos jardins e alimentação das composteiras, junto com o projeto Práticas e Atitudes Sustentáveis. São 20 a 25 crianças e adolescente que se reúnem duas vezes na semana, realizando além da compostagem, captação de água da chuva, coleta seletiva, coleta de óleo usado e hortas agroecológicas com as crianças. Nos canteiros dessa horta, a colheita semanal  é levada  pelas crianças para as suas casas, como uma complementação da alimentação familiar. O retorno das famílias têm sido muito importante, trazendo inclusive memórias dos pais, receitas e histórias que vão enriquecendo o projeto. Uma das famílias, por exemplo, trouxe uma história que é sempre contada sobre o almeirão, um dos produtos da horta. Esse projeto já existe a aproximadamente 5 anos, sendo que há 2 anos as atividades envolvem também as crianças.

Desde março, com a pandemia, os projetos da Fundação deram uma parada nas atividades presenciais, mas têm procurado seguir em contato pelas redes sociais para que eles continuem a plantar nos seus quintais e a resposta de pais e crianças é animadora. Muitos replicam suas experiências com seus vizinhos.

Vamos acolhendo famílias que fazem seus plantios nos seus quintais, muitos têm replicado isso com seus vizinhos. A FAG sempre fez esse acompanhamento das famílias em hortas do território, junto aos Arranjos e Quintais, AS-PTA e a Rede CAU, como a Horta da Brisa, um projeto que acontece há muito anos e com atividades constantes nesses quintais e os moradores que garantem a sua permanência,  realizando mutirões.

Lançaram campanha de captação de recursos para famílias de Pedra de Guaratiba – O Rio contra o corona. Chegamos a 2.000 famílias recebendo cestas. E através do apoio da Rede Ecológica tem conseguido complementar essa cesta com alimentos frescos de agricultores da Zona Oeste. A segunda entrega foi no dia 26 de junho (300 cestas). Um aspecto importante é que não só entregam o alimento, mas falam do trabalho daqueles pequenos agricultores, do tempo certo do plantio, da colheita, do processo de transporte e toda a logística. Comentam o impacto do fechamento das feiras neste período de isolamento e pandemia e da sua dificuldade de escoamento desses alimentos. Outro cuidado na entrega das cestas é a inserção de receitas de como utilizar a chaya, PANC ainda pouco conhecida, entre outros alimentos.

Não conseguem atender todas as famílias cadastradas na Fundação, mas estão conseguindo entregar um alimento diferenciado.

Márcio assinala: como uma organização como a FAG, que atua no campo de assistência social consegue realizar um trabalho emergencial, mas também um trabalho estruturante de organização do abastecimento alimentar das famílias. E isto tem a ver com o que a Rede Ecológica vem construindo, estimulando o plantio nos quintais, trazendo autonomia em sua produção e participem da ocupação de espaços públicos para plantio. A FAG tem um espaço físico e se organiza para ter experimentação de tecnologias sociais, irradiando-as.

Tem vários comentários do público presente no seminário, valorizando estas práticas, enfatizando um novo paradigma, e a importância da juventude neste processo. Claudemar mencionou que em Petrópolis, a Fiocruz Fórum Itaboraí inicia atividade de promoção de Agricultura Urbana com ênfase na agroecologia inspirado na Rede CAU.

Márcio destaca o diferencial das entregas de cestas agroecológicas, que tem a ver com saber a origem dos alimentos, a garantia de qualidade e ao mesmo tempo apoiar agricultores que perderam as feiras, escoando sua produção, articulando em rede.

Marcelo Silva (CEM) (estava em atividade em Vargem Grande colhendo jaca para futuro processamento).Traz uma visão um pouco diferente da agricultura urbana, focada na disputa de território. Ana faz um trabalho com as mulheres e eu com os homens. Nós temos uma área de 2 hectares que estamos disputando, buscando mostrar para as pessoas que aquela área tem valor, que é possível produzir. E acolher também a visão desse morador como o senhorzinho que me diz que não quer vender, só quer plantar para consumir porque gosta. Ana consegue mover 10 a 20 mulheres, em muitos temas. A Agroecologia também tem que ser catequista na favela. Cita rap favela vive “eu não sou de passar pano quente, prefiro pegar fogo”. Agradece a todos, especialmente a Berna e a Rede CAU..

A ação de doação tem mudado muito, não é apenas doar, mas tocar no coração, articular forças, movimentar a rede de mulheres na favela. A doação do alimento cativa as pessoas a se interessarem por plantar.

Marcio: Marcelo traz a visão da favela, com o estado ditando as regras e temos que ser a resistência. O governo, tenta apagar a realidade da agricultura, principalmente a agricultura urbana. Precisamos do resgate de outros valores, o que o Cem tem feito reconstruindo seu espaço, irradiando valores importantes para comunidade.

CAC (Rafael Moura)
São João de Meriti, maior densidade demográfica do Brasil, 13 mil hab por km².

O Centro nasceu em 1987 e sempre desenvolveu projeto de cultura, alimentação, sendo uma escola comunitária para crianças entre 3 e 6 anos. Lá tem uma biblioteca com leitura para crianças em alfabetização. Projeto de Educação Ambiental, a partir da compostagem dos produtos do quintal, trabalhados entrelaçados com a alfabetização. Lá tem Curso de formação continuada, com a UERJ, tem parceria com a prefeitura, UFF, AMAR, e Rede Ecológica. Atualmente entrou na campanha da Rede com uma proposta de implantar uma horta comunitária envolvendo 10 famílias do entorno da escola, recebendo em troca quinzenalmente cestas agroecológicas. A área que temos é grande, e a compostagem é muito importante, tendo sido instalada no quintal. Para as crianças é oferecida uma oportunidade de entenderem todo o processo do alimento até o prato, além de ser uma sensibilização das famílias que participam desse processo.

SIM eu sou do Meio (Débora Silva, coordenadora do projeto)
Esta experiência com a campanha está sendo muito nova, possibilitou conhecer as Mulheres de Hydra. Trabalho com mulheres que sofrem violência dentro do território. Ganhamos neste momento um terreno pra fazer um trabalho de horta urbana, e isso veio através do contato das mulheres do campo e das mulheres do.território. Aprendemos muitas coisas sobre plantio, sobre os chás, preparação dos produtos. Essa troca tem sido muito incrível!

Belford Roxo está em primeiro lugar em vulnerabilidade social, e por isto para nós comermos frescos orgânicos é uma realidade.muito distante, “coisa de rico”. São 70 famílias que estão sendo atendidas, famílias com até 10 crianças em casa. Isso traz uma perspectiva diferente do que é o campo. Mulheres ficaram muito impressionadas com a agricultora de vestido e bota cheia de terra. Há uma troca humana que possibilita a sensibilização, tem mudado a mente das participantes. Empoderamento do reconhecimento do território. Débora se sentiu escutada pela Rede Ecológica, através de Claudete. Quem trabalha na ponta lida com as pessoas que não tem o que comer, sofre em não poder atender a todos. A Rede proporcionou esse afeto e cuidado, o sentimento de elos que vão permitindo ampliar a visão do território e dão esperanças de um território melhor. Esse é um trabalho de afeto, amor, com um papel político dentro do território, que tende a dar certo. Belford Roxo não será o mesmo de antes da pandemia, não queremos voltar pro normal, queremos mais e melhor. Estou com muitas expectativas de coisas boas.

Márcio fala dos comentários no chat de como o relato de Débora foi comovente. Participantes como Sarah Rubia fala na Feira da Roça de Vargem Grande, e de como os produtores se organizaram para fazer entregas, e aumentaram suas vendas. Querem tornar este sistema definitivo, o que vai fortalecer os agricultores. Muito importante a conscientização da luta pela permanência no território, e fazer parte de um coletivo torna mais fácil vencer. Alguns agricultores já estavam desistindo de plantar, e com o reconhecimento da agricultura familiar como fornecedor de alimentos seguros durante a pandemia, voltaram a se estimular.

Amanda Xavier fala do Clube EFC Rio que tem por finalidade discutir temas emergentes da cidade do Rio de Janeiro a partir de um trabalho cooperativo entre diferentes atores envolvidos na produção agroecológica. Iniciaram um grupo do Bem Viver Alimentar. www.clubeefcrio.com

Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS Oswaldo de Oliveira  – Silvano Leite da Silva comenta que apesar do PDS Osvaldo de Oliveira estar uma zona rural, vê muitas afinidades com a Agricultura Urbana. Esta é a primeira experiência de PDS no estado do Rio de Janeiro, os Projetos de Desenvolvimento Sustentável acontecem muito na região norte do país e que, ali, começou a ser desenvolvido na antiga Fazenda Bom Jardim, desde 2009/10.

No entanto, em 2014 a justiça expediu a reintegração de posse colocando em risco o trabalho que 63 famílias tem trabalhado no processo de produção, venda e preservação da Área de Proteção Ambiental da Mata Atlântica, a partir da sua produção agroecológica.

Produzem alimentos sem veneno, participam das feiras locais, na UFF Rio das Ostras, das feiras da Articulação de Agroecologia e outros espaços de comercialização no centro do Rio de Janeiro, como a Feira Cícero Dias e o Armazém do Campo.

Ocupam 104 ha de áreas coletivas, onde 63 famílias divididas em 7 núcleo se organizam a partir da coordenação de um homem e de uma mulher, relatores e um acordo coletivo que rege a participação de todos os membros da comunidade.

Tem participado da campanha do MST Nós por Nós, atendendo as comunidades mais vulneráveis, em Macaé e em parceria com a Casa Caminho e o Acampamento Edson Nogueira, para o que, contam também com o apoio da  Rede Ecológica.

Estão sob a ameaça de despejo em plena pandemia, apesar disso estão produzindo feijão agroecológico com a ajuda da Rede Ecológica.

Encerra sua fala comentando que a Agricultura Urbana não se diferencia muito da Agricultura Rural a não ser pela disponibilidade de terras para se produzir. Chama atenção para o fato de que nesse país a concentração de terras é muito grande e que se de fato a Reforma Agrária se fizer, os princípios agroecológicos vão se expandir na produção de alimentos, envolvendo a Agricultura Urbana.

Mara Bonfim de Vargem Grande fala da importância de alimento sem agrotóxico, um alimento que nos fortalece como pessoa, nos traz mais força pra lutar nessa pandemia, e nos faz conhecer a alimentação a que não tínhamos tanto acesso. Claudemar Mattos informa que em breve a plataforma Agroecologia em Rede vai estar no ar para que todas as pessoas mapeiem e sistematizem suas experiências. Convida a todos participarem.

Bernadete Montesano
Outras formas de se organizar tiveram que ser pensadas. A entrega de cestas foi muito importante também, na zona oeste em várias feiras, a de Campo Grande, Vargem Grande e Freguesia. Fizemos reuniões online com os agricultores, foi um desafio, mas necessário para essa reorganização. Tem CSA e através da Rede Ecológica foram escoadas 3 toneladas de venda de caqui, principalmente da Agroprata. Foi uma resposta incrível para essa dificuldade de escoamento que tivemos.

“A palavra afeto perpassou em nosso encontro. A cidade é o meu quintal, é minha por mais difícil que sejam os desafios, aqui que quero plantar e colher esses amigos, pessoas e relações.”

Márcio
Acontecimentos atuais nos fazem repensar nossa vida enquanto sociedade, nossas relações entre pessoas, com o meio ambiente, com as produções agrícolas. Vimos que a pandemia é seletiva, quem mais sofre são as.pessoas em vulnerabilidade social. Os burgueses que deveriam morrer, tem acesso a saúde de qualidade e continuam a propagar esse sistema excludente. Precisamos reafirmar nossa força, nossas experiências, e ir encontrando outras formas de resistência. Com o passar da pandemia vai aumentar a pressão sobre o trabalhador. Quando a feira se reinventa, é uma mudança importante para os agricultores, redes ficam mais fortes. A pandemia não traz soluções, trás ainda mais o peso para as costas de pessoas mais pobres, o caminho é radicalizar sobre as iniciativas de resistência, como o cultivo de alimentos nas comunidades diversas. Como podemos fortalecer. A luta de classes continua e fica cada vez mais acirrada.